Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Dezembro

O homem antes da história

Ancianidade da raça humana (1)

Na história da Terra, a Humanidade talvez não passe de um sonho, e quando o nosso velho mundo adormecer nos gelos de seu inverno, a passagem de nossas sombras por sua fronte talvez nele não terá deixado qualquer lembrança. A Terra possui uma história própria, incomparavelmente mais rica e mais complexa que a do homem. Muito tempo antes do aparecimento de nossa raça, durante séculos e séculos, ela foi alternativamente ocupada por habitantes diversos, por seres primordiais, que estenderam sua dominação sucessiva à sua superfície, e desapareceram com as modificações elementares da física do globo.

Num dos últimos períodos, na época terciária, para a qual podemos atribuir sem medo uma época várias centenas de milhares de anos antes de nós, o sítio onde hoje Paris desdobra os seus esplendores era um Mediterrâneo, um golfo do oceano universal, acima do qual apenas se elevavam na França o terreno cretáceo de Troie, Rouen, Tours; o terreno jurássico de Chaumont, Bourges, Niort; o terreno triássico dos Vosges e o terreno primitivo dos Alpes, da Auvergne e das costas da Bretanha. Mais tarde a configuração mudou. Na época em que ainda viviam o mamute, o urso das cavernas, o rinoceronte de narinas separadas, podia-se ir por Terra de Paris a Londres; e talvez esse trajeto fosse efetuado por nossos antepassados daquele tempo, porque havia homens aqui, antes da formação da França geográfica.

Sua vida diferia tanto da nossa quanto a dos selvagens dos quais nos ocupávamos recentemente. Uns tinham construído suas aldeias sobre estacaria, no meio dos grandes lagos; essas cidades lacustres, comparáveis às dos castores, foram adivinhadas em 1853, quando em consequência de uma longa seca, os lagos da Suíça tendo baixado a uma estiagem inusitada, puseram a descoberto estacarias, utensílios de pedra, de chifre, de ouro e de argila, vestígios inequívocos da antiga habitação humana; e essas cidades aquáticas não eram uma exceção, pois foram encontradas mais de duzentas outras, só na Suíça. Conta Heródoto que os palonianos habitavam cidades semelhantes sobre o lago Prasias. Cada cidadão que tomava mulher era obrigado a mandar virem três pedras da floresta vizinha e fixá-las no lago. Como o número de mulheres não era limitado, o piso da cidade cresceu depressa. As cabanas tinham comunicação com a água por um alçapão, e os meninos eram amarrados pelo pé a uma corda, por medo de acidente. Homens, cavalos, gado, viviam juntos, alimentando-se de peixe. Hipócrates relata os mesmos costumes dos habitantes de Phase. Em 1826, Dumont d’Urville descobriu cidades lacustres análogas nas costas da Nova Guiné.

Outros moravam em cavernas, em grutas naturais, ou arranjavam um refúgio grosseiro contra os animais ferozes. Hoje encontram-se seus ossos misturados aos da hiena, do urso das cavernas, do rinoceronte ticorino. Em 1852, um cavouqueiro, querendo conhecer a profundidade de um buraco pelo qual os coelhos se esquivavam dos caçadores, em Aurignac (Haute-Garonne) retirou dessa abertura ossos de grande dimensão. Atacando então o flanco do montículo, na esperança de ali encontrar um tesouro, em breve encontrou-se em face de um verdadeiro ossuário. O rumor público apoderando-se do fato e pôs em circulação histórias de moedeiros falsos, de assassinatos, etc. O prefeito julgou conveniente mandar reunir todas as ossadas para levá-las ao cemitério, e quando, em 1860 o Sr. Lartet quis examinar esses velhos restos, o fosseiro nem mais se lembrava do lugar da sepultura. Com o auxílio de raros vestígios que cercam a caverna, traços de um foco, ossos quebrados para extrair a medula, não obstante pode assegurar-se que as três espécies acima referidas viveram nesse ponto da França ao mesmo tempo que o homem. O cão já era companheiro do homem, e sem dúvida foi a sua primeira conquista.

O alimento desses homens primitivos já era muito variado. Pretende um professor que a proporção entre carnívoros e frugívoros era de doze para vinte. O Sr. Flourens prefere acreditar que eles se nutriam exclusivamente de frutos. Mas a verdade é que, desde o começo, o homem foi onívoro. Os kjokkenmoddings da Dinamarca conservaram restos de cozinha antediluviana, provando este fato até a evidência. Eles já almoçavam ostras e peixe, conheciam o ganso, o cisne, o pato; apreciavam o galo selvagem, o cervo, o cabrito montês, a rena, que eles caçavam, e dos quais foram encontrados restos atravessados por flechas de pedra. O urus ou boi primitivo já lhes dava leite; o lobo, a raposa, o cão e o gato lhes serviam de prato de resistência. As bolotas, a cevada, a aveia, as ervilhas, as lentilhas lhes davam o pão e os legumes; o trigo só veio mais tarde. As avelãs, as faias, as batatas, as peras, os morangos e as framboesas terminavam essas refeições dos antigos dinamarqueses. Os suíços da Idade da Pedra eram, além disso, dados à carne do bisão, do alce, do touro selvagem; tinham submetido a cabra e a ovelha ao estado doméstico. A lebre e o coelho eram desdenhados por alguma razão supersticiosa. Mas, em compensação, o cavalo já havia tomado lugar em suas refeições. Todas as carnes eram comidas cruas e fumegantes, inicialmente e, nota curiosa, os antigos dinamarqueses não se serviam, como nós, dos dentes incisivos para cortar, mas para segurar, reter e mastigar o alimento, de sorte que esses dentes não eram cortantes como os nossos, mas achatados, como os nossos molares, e as duas arcadas dentárias fechavam uma sobre a outra, em vez de se encaixar.

Nem todos os selvagens primitivos eram nus. Os primeiros habitantes das latitudes boreais, da Dinamarca, da Gália e da Helvécia, tiveram que se garantir contra o frio com peles e forros. Mais tarde pensaram nos ornamentos. “A coqueteria, o amor ao enfeite não datam de ontem, senhoras: testemunham esses colares formados com dentes de cão, de raposa e de lobo, atravessados por um furo de suspensão. Mais tarde, os grampos para o cabelo, os braceletes, os pegadores de bronze se multiplicaram ao infinito, e é admirável a variedade e até o bom gosto dos objetos que serviam à toalete das senhoritas e dos cortesãos daquele tempo.

Durante essas idades recuadas, enterravam os mortos sob abóbadas sepulcrais. Os cadáveres eram colocados em atitude agachada, os joelhos quase em contacto com o queixo, os braços cruzados sobre o peito e próximos da cabeça. Como se observou, essa é a posição da criança no seio materno. Esses homens primordiais certamente o ignoravam, e é por uma espécie de intuição que assemelhavam o túmulo a um berço.

Vestígios de idades extintas, esses túmulos, esses outeiros, essas colinas que nos séculos passados eram chamados “túmulos de gigantes” e que serviam de limites invioláveis, são câmaras mortuárias, sob as quais nossos antepassados ocultavam seus mortos. Quem eram esses primeiros homens? “Não é apenas por curiosidade, diz Virchow, que perguntamos quem eram esses mortos, se eles pertenciam a uma raça de gigantes, quando viveram. Essas questões nos tocam. Esses mortos são nossos antepassados, e as perguntas que dirigimos a esses túmulos dizem respeito igualmente à nossa origem. De que raça saímos? De que começo saiu a nossa cultura atual e para onde ela nos conduz?”

Não é preciso remontar à criação para receber alguma luz sobre as nossas origens; do contrário ver-nos-íamos condenados a ficar sempre numa noite completa a esse respeito. Apenas sobre a data da criação contaram-se mais de 140 opiniões, e da primeira à última não há menos de 3.194 anos de diferença! Acrescentar uma 141ª hipótese não esclareceria o problema. Assim, limitar-nos-emos a estabelecer que, do ponto de vista geológico, o último período da história da Terra, o período quaternário, e que perdura ainda até hoje, foi dividido em três fases: a fase diluviana, durante a qual houve imensas inundações parciais e vastos depósitos e acumulações de areia; a fase glaciária, caracterizada pela formação de geleiras e por um maior resfriamento do globo; enfim, a fase moderna. Em suma, a importante questão, hoje mais ou menos resolvida, era saber se o homem não data apenas desta última época, ou das precedentes.

Ora, está agora constatado que data ao menos da primeira, e que os nossos primeiros ancestrais têm direito ao título de fósseis, considerando-se que seus esqueletos (o pouco que resta) jazem com os do ursus spelaeus, da hiena e das felis spelaea, do elephas primigenius, do megaceros, etc., numa camada pertencente a uma ordem de vida diferente da ordem atual.

Nessas épocas longínquas reinava uma Natureza muito diferente da que hoje desdobra os seus esplendores em volta de nós; outros tipos de plantas decoravam as florestas e os campos; outras espécies animais viviam na superfície do solo e nos mares. Quais foram os primeiros homens que despertaram nesse mundo primordial? Que cidades foram edificadas? Que língua foi falada? Que costumes estiveram em uso? Estas questões para nós ainda estão cercadas de profundo mistério. Mas, o de que temos certeza, é que ali onde fundamos hoje dinastias e monumentos, várias raças de homens habitaram sucessivamente, durante períodos seculares.

Sir John Lubbock, na obra citada no começo deste estudo, demonstra a ancianidade da raça humana pelas descobertas relativas aos usos e costumes de nossos ancestrais, como Sir Charles Lyell havia demonstrado do ponto de vista geológico. Seja qual for o mistério que ainda envolve as nossas origens, preferimos esse resultado ainda incompleto da ciência positiva, às fábulas e aos romances da antiga mitologia.

CAMILLE FLAMMARION


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(1) Este artigo é tirado dos artigos científicos que o Sr. Flammarion publicou no Siècle. Julgamos dever reproduzi- lo, primeiro porque sabemos o interesse que têm os nossos leitores pelos escritos desse jovem sábio, e, além disto, porque, do ponto de vista da Ciência, ele toca nalguns dos pontos fundamentais da doutrina exposta em nossa obra sobre a Gênese.



Um ressurrecto contrariado

Extraído da viagem do Sr. Hugo à Zelândia

O episódio seguinte é tirado do relato publicado pelo jornal la Liberté, de uma viagem do Sr. Victor Hugo à Holanda, na província de Zelândia. O artigo se acha no número de 6 de novembro de 1867:

“Acabávamos de entrar na cidade. Eu tinha os olhos erguidos, e chamava a atenção de Stevens, meu vizinho de banco no carro, para o pitoresco recorte dentado de uma sucessão de telhados hispano-flamengos, quando, por sua vez, ele me tocou no ombro, e me fez sinal para olhar o que se passava no cais.

“Uma multidão barulhenta de homens, mulheres e crianças cercava Victor Hugo. Descendo da viatura, escoltado pelas autoridades da cidade, ele avançava, com um ar simplesmente emocionado, a cabeça descoberta, com dois ramalhetes nas mãos e duas meninas de vestido branco ao seu lado.

“Eram as duas meninas que acabavam de lhe oferecer as flores.

“Que dizeis, por esse tempo de visitas coroadas e de ovações artificiais ou oficiais, desta entrada singularmente triunfal de um homem universalmente popular que chega de improviso a uma região perdida, de cuja existência ele nem mesmo suspeitava, e que aí se encontra muito naturalmente em seus Estados? Quem teria podido fazer o poeta prever que essa cidadezinha desconhecida, cuja silhueta tinha considerado de longe e com curiosidade, era a sua boa cidade de Ziéricsée?

“Durante o jantar, o Sr. Van Maenen disse a Victor Hugo:

“─ Sabeis quem são as duas lindas meninas que vos ofereceram flores? “─ Não.

“─ São as filhas de um fantasma.

“Isto exigia uma explicação, e o capitão nos contou a seguinte aventura estranha:

“Isto fora há cerca de um mês. Uma tarde, ao crepúsculo, uma viatura onde estavam um homem e um menino entrava na cidade. É preciso dizer que pouco antes esse homem havia perdido a esposa e um dos filhos, com o que ficara muito triste. Embora ainda tivesse duas meninas e o menino que estava com ele nesse momento, ele não se havia consolado e vivia melancólico.

“Naquela tarde sua viatura seguia por um desses caminhos aterrados e abruptos que são, à direita e à esquerda, ladeadas por um fosso de água estagnada e às vezes profunda. De súbito o cavalo, sem dúvida mal dirigido através da bruma da tarde, bruscamente perdeu o equilíbrio e rolou ladeira abaixo para o fosso, arrastando consigo o carro, o homem e a criança.

“Houve nesse grupo de seres precipitados um momento de angústia atroz, de que ninguém foi testemunha, e um esforço obscuro e desesperado para a salvação. Mas o mergulho se fez com a confusão da queda, e tudo desapareceu na cloaca, que se fechou com a espessa lentidão da lama.

“Só o menino, que como por milagre ficou fora do fosso, gritava e chamava lamentoso, agitando os bracinhos. Dois camponeses que atravessavam um campo de garança, a alguma distância, ouviram os gritos e acorreram. Retiraram o menino.

“O menino gritava: ‘Meu papai! meu papai! eu quero o meu papai!’ “─ E onde está o teu papai?

“─ Ali, dizia o menino, mostrando o fosso.

“Os dois camponeses compreenderam e puseram-se ao trabalho. Ao cabo de um quarto de hora retiraram a viatura quebrada; depois de meia hora tiraram o cavalo morto. O pequeno continuava gritando e pedia seu pai.

“Enfim, após novos esforços, do mesmo buraco do fosso que o carro e o cavalo, pescaram e trouxeram para fora da água algo inerte e fétido que estava inteiramente negro e coberto de lodo: era o cadáver do pai.

“Tudo isto tinha levado cerca de uma hora. O desespero do menino redobrava; ele não queria que seu pai estivesse morto. Entretanto os camponeses o julgavam bem morto. Mas como o menino lhes suplicasse e se agarrasse a eles e eles fossem pessoas dispostas, tentaram, para acalmar o menino, o que se faz sempre em tais casos na região, e se puseram a rolar o afogado no campo de garança.

“Rolaram-no assim um bom quarto de hora. Nada mudou. Rolaram-no ainda mais. A mesma imobilidade. O pequeno acompanhava, chorando. Recomeçaram uma terceira vez, e iam renunciar, enfim, quando lhes pareceu que o cadáver movia o braço. Continuaram. O outro braço se agitou. Eles se obstinaram. O corpo inteiro deu vagos sinais de vida e o morto começou a ressuscitar lentamente.

“Isto é extraordinário, não é? Pois bem! Eis o que é ainda mais inusitado. O homem suspirou lentamente, voltando à vida e gritou com desespero: “Ah! Meu Deus! Que foi que fizestes? Eu estava tão bem onde estava! Estava com minha mulher, com meu filho. Eles tinham vindo a mim e eu tinha ido a eles. Eu os via, estava no Céu, estava na luz. Ah! Meu Deus! Que foi que fizestes? Não estou mais morto!”

“O homem que assim falava acabara de passar uma hora no lodo. Tinha o braço quebrado e contusões graves.

“Levaram-no para a cidade, e apenas acaba de se curar, acrescentou o Sr. Van Maenen, acabando de nos contar esta história. É o Sr. D..., uma das mais altas inteligências, não só da Zelândia, mas da Holanda. É um dos nossos melhores advogados. Aqui todo mundo o estima e o honra. Quando ele soube, Sr. Victor Hugo, que íeis passar pela cidade, quis a qualquer custo sair da cama, que ainda não havia deixado há um mês, e hoje fez a sua primeira saída para apresentar-se diante de vós e vos apresentar suas duas filhinhas, às quais tinha dado flores para vós.

“Houve um grito unânime em toda a mesa.

“Estas são coisas que só acontecem na Zelândia! Os viajantes aqui não vêm, mas os habitantes revivem.

“Deveriam tê-lo convidado para o jantar, aventurou a parte feminina da mesa.

“─ Convidá-lo! exclamei. Mas já éramos doze! Este não seria bem o momento de convidar um fantasma. Senhoras, gostaríeis de ter um morto como décimo terceiro?

“─ Há dois enigmas nesta história, disse Victor Hugo, que tinha ficado silencioso: o enigma do corpo e o da alma. Não me encarrego de explicar o primeiro, nem de dizer como pode um homem ficar submerso durante uma hora inteira numa cloaca sem que se siga a morte. A asfixia, cremos, ainda é um fenômeno mal conhecido. Mas o que compreendo admiravelmente é a lamentação dessa alma. Pois quê! Ela já tinha saído da vida terrena, desta sombra, deste corpo sujo, destes lábios negros, deste fosso negro! Ela tinha começado a evasão encantadora. Através da lama, ela havia chegado à superfície da cloaca e ali, ligada ainda apenas por uma última pena de sua asa a este horrível último suspiro estrangulado no pântano, ela já respirava silenciosamente a fresca inefável de fora da vida. Ela já podia voar para os seus amores perdidos e atingir a mulher e erguer-se até a criança. De repente, a semi fugida se arrepia; ela sente que o laço terrestre, em vez de se romper inteiramente, se reata; que em vez de subir na luz, ela desce bruscamente na noite, e que ela, a alma, teve que entrar violentamente no cadáver. Então ela solta um grito terrível.

“O que disto resulta para mim, acrescentou Victor Hugo, é que a alma pode ficar um certo tempo acima do corpo, em estado flutuante, já não sendo mais prisioneira e ainda não estando liberta. Esse estado flutuante é a agonia, é a letargia. O estertor é a alma que se lança fora da boca aberta e que aí recai por instantes, e que se sacode, arquejante, até que se quebre o fio vaporoso do último sopro. Parece-me que a vejo. Ela luta, escapa-se um pouco dos lábios, neles entra novamente, foge de novo, depois dá um grande golpe de asa, e ei-la que voa de um jacto e desaparece no azul imenso. Está livre. Mas algumas vezes também o agonizante volta à vida: então a alma desesperada volta ao agonizante. O sonho por vezes nos dá a sensação dessas estranhas idas e vindas da prisioneira. Os sonhos são alguns passos quotidianos da alma fora de nós. Até que tenha completado seu tempo no corpo, a alma faz, cada noite, no nosso sono, o giro no pátio do sonho.

“PAUL DE LA MILTIÈRE.”


O fato em si mesmo é eminentemente espírita, como se vê. Mas se existe algo de mais espírita ainda, é a explicação dada pelo Sr. Victor Hugo. Dir-se-ia tirada textualmente da Doutrina. Aliás, não é a primeira vez que ele se exprime neste sentido. Lembramo-nos do encantador discurso que ele pronunciou, há cerca de três anos, no túmulo da jovem Emily Putron (Revista Espírita de fevereiro de 1865). Certamente o mais convicto espírita não falaria de outro modo. A tais pensamentos não falta absolutamente senão a palavra, mas que importa a palavra se as ideias se impõem! Por seu nome autorizado, o Sr. Victor Hugo é um de seus vulgarizadores. Entretanto, aqueles que os aclamam ridicularizam o Espiritismo, nova prova de que não sabem em que este consiste. Se eles soubessem, não tratariam a mesma ideia de loucura em uns e de verdade sublime em outros.


Carta de Franklin a Mrs. Jone Mecone - Sobre a preexistência

Dezembro de 1770

Em minha primeira estada em Londres, há perto de quarenta e cinco anos, conheci uma pessoa que tinha uma opinião quase semelhante à de vosso autor. Seu nome era Hive. Era viúva de um impressor. Morreu pouco depois de minha partida. Por seu testamento, obrigou o filho a ler publicamente, no Salter’s Hall, um discurso solene, cujo objetivo era provar que esta Terra é o verdadeiro inferno, o lugar de punição para os Espíritos que pecaram num mundo melhor. Em expiação de suas faltas, eles são enviados para cá sob formas de toda espécie. Há muito tempo vi este discurso, que foi impresso. Creio lembrar-me que as citações das Escrituras ali não faltavam; ali se supunha que, muito embora hoje não tenhamos nenhuma lembrança de nossa preexistência, dela tomaríamos conhecimento após a nossa morte e nos recordaríamos dos castigos sofridos, de maneira a serem corrigidos. Quanto àqueles que ainda não tivessem pecado, a vista dos nossos sofrimentos devia servir-lhes de advertência.

De fato, aqui vemos que cada animal tem o seu inimigo, e esse inimigo tem instintos, faculdades, armas para o aterrar, ferir, destruir. Quanto ao homem, que está no primeiro degrau da escada, ele é um diabo para o seu semelhante. Na doutrina recebida da bondade e da justiça do grande Criador, parece que falta uma hipótese como a da Sra. Hive para conciliar com a honra da divindade esse estado aparente de mal geral e sistemático. Mas, em falta de história e de fatos, nossa razão não pode ir longe quando queremos descobrir o que fomos antes de nossa existência terrestre ou o que seremos mais tarde. (Magasin pittoresque, out. de 1867; pág. 340).

Demos na Revista de agosto de 1865 o epitáfio de Franklin, escrito por ele próprio e que assim está redigido:

“Aqui repousa, entregue aos vermes, o corpo de Benjamin Franklin, impressor, como a capa de um velho livro cujas folhas foram arrancadas e o título e os dourados apagados; mas por isto a obra não estará perdida, porque ele reaparecerá, como ele acreditava, em nova e melhor edição, revista e corrigida pelo autor.”

Mais uma das grandes doutrinas do Espiritismo, a pluralidade das existências, professada, há mais de um século, por um homem visto, a justo título, como uma das luzes da Humanidade. Aliás, esta ideia é tão lógica, tão evidente pelos fatos que diariamente temos aos nossos olhos, que está no estado de intuição numa multidão de criaturas. Ela é positivamente admitida hoje por inteligências de escol, como princípio filosófico, fora do Espiritismo. O Espiritismo não a inventou, mas ele a demonstrou e provou e, do estado de simples teoria, a fez passar ao de fato positivo. É uma das numerosas portas abertas às ideias espíritas, porque, conforme explicamos em outra circunstância, admitido este ponto de partida, de dedução em dedução chega-se forçosamente a tudo quanto o Espiritismo ensina.


Reflexo da preexistência

(Por Jean Raynaud)

Eis um homem que chega ao fim da carreira. Em algumas horas não será mais deste mundo. Neste momento supremo, tem ele consciência do resultado, do produto líquido da vida? Vê ele o seu resumo como num espelho? Pode ele fazer uma ideia disso? Não, sem dúvida. Entretanto, esse produto líquido, esse resumo existe algures. Ele está na alma, de uma maneira latente, sem que ela possa discerni-lo. Discerni-lo-á um dia. Então o resumo de todo o passado, adquirindo vida de uma vez, será reconhecido realmente. Aqui em baixo só nos conhecemos por parcelas; a luz de um dia é apagada pelas trevas de outro dia; a alma reúne e guarda em seu tesouro uma porção de impressões, de percepções, de desejos que esquecemos.

Nossa memória está bem longe de ser proporcional à capacidade de nossa alma; e muitas coisas que agiram sobre a nossa alma, das quais perdemos a lembrança, são para nós como se jamais tivessem existido. Contudo, elas tiveram seu efeito, e seu efeito permanece; a alma guarda a sua impressão, que se revela no resumo final, que será a nossa vida futura. (Extraído de Pensées genevoises, por François Roget. Magasin pittoresque, 1861, pág. 222.)


Jeanne D'Arc e seus comentadores

Joana d’Arc é uma das grandes figuras da França, que se ergue na História como um imenso problema e, ao mesmo tempo, como um protesto vivo contra a incredulidade. É digno de nota que, neste tempo de ceticismo, são os mais obstinados adversários do maravilhoso que se esforçam por exaltar a memória dessa heroína quase legendária; obrigados a esquadrinhar essa vida cheia de mistério, eles se veem constrangidos a reconhecer a existência de fatos que as leis da matéria, por si sós, não poderiam explicar, porque se tirarem esses fatos, Joana d’Arc não passará de uma mulher corajosa, como vemos muitas. Provavelmente não é sem uma razão de oportunidade que a atenção pública é chamada sobre este assunto neste momento. É um meio como qualquer outro de rasgar o caminho a ideias novas.

Joana d’Arc não é um problema nem um mistério para os espíritas. É um modelo eminente de quase todas as faculdades mediúnicas, cujos efeitos, como uma porção de outros fenômenos, se explicam pelos princípios da doutrina, sem que haja necessidade de lhes buscar a causa no sobrenatural. Ela é a brilhante confirmação do Espiritismo, do qual foi um dos mais eminentes precursores, não por seus ensinamentos, mas pelos fatos, tanto quanto por suas virtudes, que nela denotam um Espírito superior.

A respeito disto propomo-nos fazer um estudo especial, desde que nossos trabalhos o permitam; enquanto se espera, não será inútil saber como suas faculdades são encaradas pelos comentadores.

O artigo seguinte é tirado do Propegateur de Lille, de 17 de agosto de 1867:

“Sem dúvida os nossos leitores se lembram que este ano, na festa de aniversário do levantamento do cerco de Orléans, o Sr. Abade Freppel pediu, com uma humilde e generosa sutileza, a canonização de nossa Joana d’Arc. Hoje lemos na Bibliothèque de l’École de Chartres um excelente artigo do Sr. Natalis de Wailly, membro da Academia das Inscrições, que, a propósito da Joana d’Arc do Sr. Wallon, dá suas conclusões e as da verdadeira ciência sobre a história sobrenatural daquela que foi, ao mesmo tempo, uma heroína da Igreja e da França. Os argumentos do Sr. de Wailly são bem feitos para encorajar as esperanças do Sr. Abade Freppel e as nossas. ─ Léon Gautier (Monde)”



“Não há muitos personagens históricos que tenham estado, mais que Joana d’Arc, expostos à contradição dos contemporâneos e da posterioridade. Não há nenhum, entretanto, cuja vida seja mais simples nem melhor conhecida.

“Saída de repente da obscuridade, ela não aparece na cena senão para representar um papel maravilhoso, que logo atrai a atenção de todos. É uma moça apenas capaz de fiar e costurar, que se pretende enviada de Deus para vencer os inimigos da França. Inicialmente, ela tem apenas um pequeno número de partidários devotados que acreditam em sua palavra; os hábeis desconfiam e lhe criam obstáculos. Eles cedem, enfim, e Joana d’Arc pode conquistar as vitórias que havia predito. Em breve arrasta até Reims um rei incrédulo e ingrato, que a atraiçoa no momento em que se prepara para tomar Paris; que a abandona quando ela cai prisioneira nas mãos dos ingleses; que nem mesmo tenta protestar nem proclamá-la inocente quando ela vai expirar por ele. No dia de sua morte, não havia, pois, somente inimigos que a declaravam apóstata, idólatra, impudica, ou amigos fiéis que a veneravam como uma santa. Havia também ingratos que a esqueciam, sem falar dos indiferentes, que não se preocupavam com ela, e gente esperta que se gabava de jamais ter acreditado em sua missão, ou de nela ter pouco acreditado.

“Todas essas contradições, em meio às quais Joana d’Arc teve que viver e morrer, lhe sobrevieram e a acompanharam através dos séculos. Entre o vergonhoso poema de Voltaire e a eloquente história de Wallon, produziram-se as mais diversas opiniões, e se todos hoje concordam em respeitar essa grande memória, podemos dizer que sob a admiração comum ainda se ocultam profundas discordâncias. Com efeito, quem quer que leia ou escreva a história de Joana d’Arc, vê erguer-se diante de si um problema que a crítica moderna não gosta de encontrar, mas que aí se impõe como uma necessidade. Esse problema é o caráter sobrenatural que se manifesta no conjunto dessa vida extraordinária, e mais especialmente em certos fatos particulares.

“Sim, a questão do milagre se manifesta inevitavelmente na vida de Joana d’Arc; ela embaraçou mais de um escritor e muitas vezes provocou estranhas respostas. O Sr. Wallon pensou com razão que o primeiro dever de um historiador de Joana d’Arc era não subtrair-se a essa dificuldade. Ele a aborda de frente, e a explica pela miraculosa intervenção de Deus. Tentarei mostrar que essa solução é perfeitamente conforme às regras da crítica histórica.

“As provas metafísicas sobre as quais pode apoiar-se a possibilidade do milagre escapam ou desagradam a certos espíritos; mas a história não tem que fazer essas provas. Sua missão não é estabelecer teorias; é constatar fatos e registrar todos os que se apresentam como verdadeiros. Que um fato miraculoso ou inexplicável deve ser verificado com mais atenção, ninguém o contestará. Por conseguinte, também, esse mesmo fato, verificado mais atentamente que os outros, adquire, de certo modo, um maior grau de certeza. Raciocinar diferentemente é violar todas as regras da crítica e transportar para a História os preconceitos da metafísica. Não há argumentação contra a possibilidade do milagre que dispense o exame das provas históricas de um fato miraculoso, e de admiti-las quando elas são de natureza a produzir a convicção num homem de bom-senso e de boa-fé. Mais tarde teremos o direito de procurar para esse fato uma explicação que satisfaça a este ou àquele sistema científico. Mas, antes de tudo, e aconteça o que acontecer, a existência do fato deve ser reconhecida quando repousa sobre provas que satisfazem às regras da crítica histórica.

“Há ou não há fatos dessa natureza na história de Joana d’Arc? Esta questão foi discutida e discutida por um sábio que precedeu o Sr. Wallon e desta maneira adquiriu uma autoridade incontestável. Se aqui cito o Sr. Quicherat, de preferência ao Sr. Wallon, não é somente porque um, antes do outro, constatou os fatos que quero lembrar; é também porque ele se propôs estabelecê-los sem pretender explicálos, de modo que sua crítica, independente de qualquer sistema preconcebido, limitou-se a estabelecer as premissas das quais ela não quis nem mesmo prever as conclusões.

“É claro, diz ele, que os curiosos quererão ir mais longe e raciocinar sobre uma causa cujos efeitos não lhes bastará admirar. Teólogos, psicólogos, fisiologistas, eu não tenho solução a lhes indicar. Que eles achem, se puderem, cada um de seu ponto de vista, os elementos de uma apreciação que desafie qualquer contraditor. A única coisa que me sinto capaz de fazer na direção em que se exercitar semelhante pesquisa é apresentar, sob sua forma mais precisa, as particularidades da vida de Joana d’Arc que parecem sair do âmbito das faculdades humanas.

“A mais importante particularidade, a que domina todas as outras, é o fato de vozes que ela escutava várias vezes por dia, que a interpelavam ou lhe respondiam, cujas entonações ela distinguia, relacionando-as sobretudo a São Miguel, a Santa Catarina e a Santa Margarida. Ao mesmo tempo se manifestava uma viva luz, na qual ela percebia a figura de seus interlocutores. “Eu os vejo com os olhos de meu corpo, dizia ela aos seus juízes, tão bem quanto vos vejo.” Sim, ela sustentava com uma firmeza inabalável que Deus a aconselhava por intermédio dos santos e dos anjos. Um instante, ela se desmentiu, fraquejou diante do medo do suplício; mas chorou por causa da sua fraqueza e a confessou publicamente; seu último grito nas chamas foi que suas vozes não a haviam enganado e que suas revelações eram de Deus. Então há que concluir com o Sr. Quicherat que “sobre este ponto, a mais severa crítica não tem suspeitas a levantar contra a sua boa-fé.” Uma vez constatado o fato, como certos sábios o explicaram? De duas maneiras: ou pela loucura ou pela simples alucinação. Que diz a isto o Sr. Quicherat? Que ele prevê grandes perigos para os que quiserem classificar o fato da Donzela entre os casos patológicos.

“Mas, acrescenta ele, quer a Ciência nisso veja ou não veja vantagem, não será menos necessário admitir as visões e, como vou demonstrar, estranhas percepções de espírito saídas dessas visões.

“Quais são essas estranhas percepções de espírito? São revelações que permitiram a Joana, ora perceber os mais secretos pensamentos de certas pessoas, ora perceber objetos fora do alcance dos sentidos, ora discernir e anunciar o futuro.”

“O Sr. Quicherat cita para cada uma destas três espécies de revelações “um exemplo assente sobre bases tão sólidas que não se pode, diz ele, rejeitá-lo sem rejeitar o próprio fundamento da história.”

“Em primeiro lugar, Joana revelou a Carlos VII um segredo conhecido por Deus e por ele, único meio que ela teve de forçar a crença daquele príncipe desconfiado.

“Depois, achando-se em Tours, discerniu que havia, entre Loches e Chinon, na igreja de Santa Catarina de Fierbois, enterrada a uma certa profundidade, perto do altar, uma espada enferrujada e marcada com cinco cruzes. A espada foi encontrada, e seus acusadores mais tarde lhe imputaram ter sabido por ouvir dizer que essa arma lá estava ou de tê-la colocado ela própria.

“A propósito, disse o Sr. Quicherat, sinto quanto semelhante interpretação parecerá forte, num tempo como o nosso; ao contrário, quão fracos os fragmentos de interrogatório que ponho em oposição; mas quando se tem sob os olhos o processo inteiro e quando se vê de que maneira a acusada põe a sua consciência a descoberto, então é seu testemunho que é forte, e a interpretação dos raciocinadores que é fraca.

“Deixo enfim o próprio Sr. Quicherat contar uma das predições de Joana d’Arc:

“Em uma de suas primeiras conversas com Carlos VII, ela lhe anunciou que, operando-se a libertação de Orléans, ela seria ferida, mas sem ser posta fora de combate; suas duas santas lho haviam dito, e o acontecimento lhe provou que elas não a tinham enganado. Ela confessa isto em seu quarto interrogatório. Estaríamos reduzidos ao testemunho que o ceticismo, sem pôr em dúvida a sua boa-fé, poderia imputar seu dito a uma ilusão da memória. Mas o que demonstra que ela efetivamente predisse seu ferimento, é que o recebeu a 7 de maio de 1429 e que no dia 12 de abril precedente, um embaixador flamengo que estava na França escreveu ao governo de Brabante uma carta na qual não só era contada a profecia, mas a maneira como se realizaria. Joana teve a espádua atravessada por uma flecha de besta, no assalto ao forte de Tourelles, e o enviado flamengo tinha escrito: Ela deve ser ferida por uma flecha num combate diante de Orléans, mas não morrerá. Esse trecho de sua carta foi consignado nos registros da Câmara de contas de Bruxelas.

“Um dos sábios cuja opinião eu lembrava há pouco, aquele que faz de Joana d’Arc uma alucinada antes que uma louca, não contesta suas predições e as atribui a ‘uma espécie de impressionabilidade sensitiva, a uma radiação da força nervosa cujas leis ainda não são conhecidas.’

“Estão bem certos de que essas leis existem e que jamais devem ser conhecidas? Enquanto não o forem, não é melhor confessar francamente sua ignorância do que propor tais explicações? Toda hipótese é boa quando se trata de negar a ação da Providência e a incredulidade dispensa qualquer raciocínio? Não se deveria dizer que, desde a origem dos tempos a imensa maioria dos homens concordou em crer que exista um Deus pessoal que, depois de haver criado o mundo, o dirige e se manifesta quando lhe agrada, por sinais extraordinários? Se calássemos por um instante nosso orgulho, não ouviríamos esse concerto de todas as raças e de todas as gerações? O que é maravilhoso é que possamos ter uma fé tão robusta em nós próprios quando falamos em nome de uma ciência que é a mais incerta e a mais variável de todas, de uma ciência cujos adeptos não cessam de contradizer-se, cujos sistemas morrem e renascem como a moda, sem que jamais a experiência tenha podido arruiná-los ou assentar definitivamente apenas um deles. Eu diria de boa vontade a esses doutores em patologia: Se encontrais doenças como a de Joana d’Arc, abstende-vos de curá-las; procurai, de preferência, que elas sejam contagiosas.

“Melhor inspirado, o Sr. Wallon não pretendeu conhecer Joana d’Arc melhor do que ela própria se conhecia. Colocado diante da mais sincera das testemunhas, ele ouviu-a com atenção e deu-lhe inteira confiança. Essa mistura de bom-senso e de elevação, de simplicidade e de grandeza, essa coragem sobre-humana, realçada ainda por curtos desfalecimentos da natureza, lhe apareceram não como sintomas de loucura ou de alucinação, mas como sinais brilhantes de heroísmo e de santidade. Aí, e não alhures, estava a boa crítica; daí vem que, procurando a verdade, também encontrou a eloquência e ultrapassou a todos aqueles que o tinham precedido nesta via. Ele merece ser posto à frente desses escritores, dos quais disse excelentemente o Sr. Quicherat:

“Eles restituíram Joana tão inteira quanto puderam e quanto mais se aferraram em reproduzir a sua originalidade, mais encontraram o segredo de sua grandeza.”

“O Sr. Quicherat achará muito natural que eu empreste suas palavras para caracterizar um sucesso para o qual ele contribuiu mais que ninguém; porque, se para ele não era conveniente escrever a história de Joana d’Arc, de agora em diante é impossível empreendê-lo sem recorrer aos seus trabalhos. O Sr. Wallon, em particular, deles tirou imenso proveito, sem quase nunca ter nada a modificar, nem os textos recolhidos pelo editor, nem as suas conclusões. Entretanto, não os aceitou sem controle. É assim que ele assinala uma omissão involuntária, de que se prevaleceu um escritor que se inclina mais para a alucinação do que para a inspiração de Joana d’Arc. Lê-se na página 216 do Processo (tomo 1), que Joana d’Arc estava em jejum no dia em que pela primeira vez ouviu a voz do anjo, mas que não tinha jejuado no dia anterior. Na página 52, ao contrário, o Sr. Quicherat tinha impresso: et ipsa Johanna jejunaverat die proecedenti. Suprimindo da página 216 a negação que falta na página 52, tínhamos dois jejuns consecutivos, que pareciam uma causa suficiente de alucinação. O manuscrito não se presta a essa hipótese; o Sr. Wallon constatou que a exatidão habitual do Sr. Quicherat se achava aqui em falta, e que devemos ler, na página 52, non jejunaverat.

“A única discordância grave que percebo entre os dois autores é quando eles apreciam os vícios de forma assinalados no processo. O Sr. Quicherat sustenta que Pierre Cauchon era muito hábil para cometer ilegalidades, e o Sr. Wallon o julga muito apaixonado para ter podido defender-se disso. Não estou em condições de decidir esta questão; apenas farei notar que, no fundo, ela tem pouca importância, porque, de um e do outro lado, eles estão de acordo quanto à iniquidade do juiz e a inocência da vítima.

“Encontro o Sr. Wallon afirmando com o Sr. Quicherat, contrariamente a uma opinião já antiga, e que ainda conserva partidários, que, uma vez sagrado Carlos VII em Reims, Joana d’Arc ainda não tinha cumprido toda a sua missão, porquanto ela própria havia anunciado que tinha como compromisso, além disso, expulsar os ingleses. Deixo propositalmente de lado a libertação do duque de Orléans, porque é um ponto sobre o qual suas declarações não são tão explícitas. Entretanto, pelo que concerne à expulsão dos ingleses, têm-se a própria carta que ela lhes dirigiu a 22 de março de 1429: “Eu aqui vim por ordem de Deus, o rei do céu, corpo por corpo, para vos pôr para fora de toda a França.” Seus curtos desfalecimentos nada podem contra esse texto autêntico que ela ratificou em muitas ocasiões, até que o consagrou sobre a fogueira, por um protesto supremo. Assim, não compreendo que uma dúvida pudesse existir, sobretudo no espírito daqueles que creem na inspiração de Joana d’Arc. Como podem eles conhecer sua missão, senão por ela? E por que recusar-lhe aqui a crença que lhe concedem alhures?

“Dirão que ela fracassou, portanto não tinha missão de Deus para empreender. Com efeito, tal foi o triste pensamento que se apoderou dos espíritos, quando a souberam prisioneira dos ingleses. Mas o piedoso Gerson, alguns meses antes de morrer, no dia seguinte à libertação de Orléans, tinha, de certo modo, previsto os revezes após a vitória, não como uma desaprovação para Joana d’Arc, mas como um castigo para os ingratos que ela viera defender. Escrevia ele a 14 de maio de 1529:

“Ainda mesmo (o que Deus não permita!) que ela se tivesse enganado em sua e na nossa esperança, daí não se devia concluir que o que ela fez vem do espírito maligno e não de Deus, mas antes nos atermos à nossa ingratidão e ao justo juízo de Deus, embora secreto... porque Deus, sem mudar de conselho, muda de sentença, conforme os méritos.

“Ainda aqui o Sr. Wallon fez uma boa crítica, pois ele não divide os testemunhos de Joana d’Arc; ele os aceita todos, e os proclama sinceros, mesmo quando não parecem ser mais proféticos. Acrescento que ele os justifica plenamente, mostrando que se ela tinha a missão de expulsar os ingleses, não tinha a promessa de tudo executar por si mesma, mas que ela começou a obra e predisse a sua terminação. O Sr. Wallon o sentiu bem. Glorificá-la em seus triunfos para renegá-la em sua paixão não é compreender Joana d’Arc.

“Sobretudo nós, que conhecemos o desenlace desse drama maravilhoso, nós que sabemos que os ingleses com efeito foram expulsos do reino e a coroa de Reims foi firmada na cabeça de Carlos VII, devemos crer, com o Sr. Wallon, que Deus jamais cessou de inspirar aquela cuja grandeza lhe aprouve consagrar pela provação e cuja santidade lhe aprouve consagrar pelo martírio.

“N. de Wailly.”

O nosso correspondente de Antuérpia que teve a bondade de nos enviar o artigo acima, juntou a nota abaixo, fruto de suas pesquisas pessoais sobre o processo de Joana d’Arc:

“Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, e um inquisidor chamado Lemaire, assistidos por sessenta assessores, foram os juízes de Joana. Seu processo foi instruído segundo as formas misteriosas e bárbaras da Inquisição, que havia jurado a sua perda. Ela quis louvar-se no julgamento do Papa e do Concílio de Bâle, mas o bispo se opôs. Um sacerdote, L’Oyseleur, a enganou, abusando da confissão, e lhe deu funestos conselhos. Por força de intrigas de toda sorte, ela foi condenada, em 1431, a ser queimada viva, “como mentirosa, perniciosa, enganadora do povo, adivinha, blasfemadora de Deus, descrente na fé de Jesus Cristo, gabola, idólatra, cruel, dissoluta, invocadora dos diabos, sistemática e herética.”

“O Papa Calixto III, em 1456, por uma comissão eclesiástica, fez pronunciar a reabilitação de Joana e foi declarado, por uma sentença solene, que Joana morreu mártir para a defesa de sua religião, de sua pátria e de seu rei. O Papa quis mesmo canonizá-la, mas sua coragem não foi tão longe.

“Pierre Cauchon morreu subitamente, em 1443, fazendo a barba. Ele foi excomungado, seu corpo foi desenterrado e atirado num monturo.”


A jovem camponesa de Monin

Caso de aparição

Um dos nossos correspondentes de Oloron, Basses-Pyrénées, mandou-nos o relato do seguinte fato, de seu conhecimento pessoal:

“Pelo fim de dezembro de 1866, não longe da aldeia de Monin, Basses-Pyrénées, uma camponesa de vinte e quatro anos, chamada Marianne Courbet, estava ocupada em juntar folhas num prado, perto da casa onde mora com seu pai, de sessenta e quatro anos, e um irmão de vinte e nove. Já há alguns instantes, um velho de estatura média, vestido à camponesa, se mantinha ao lado do portão que dá passagem para o prado. De repente ele chamou a jovem, que logo se aproximou, e ele perguntou se ela lhe podia dar uma esmola.

“─ Mas que vos poderia dar? perguntou ela. Eu não tenho nada. A menos que queirais aceitar um pedaço de pão.

“─ Como quiserdes, replicou o velho. Aliás, podeis ficar tranquila, ele não vos faltará.

“A camponesa apressou-se em ir buscar um pedaço de pão. Quando voltou, o velho lhe disse:

“─ Há muito tempo que já me havíeis respondido.

“─ Como, respondeu a camponesa atônita, vos podia responder? Vós ainda não me tínheis chamado.

“─ Eu não vos tinha chamado, é verdade, mas meu Espírito se havia transportado para vós, tinha penetrado o vosso Espírito, e foi assim que previamente conheci as vossas intenções. Também parei diante de outra casa, lá em baixo; meu Espírito entrou e conheci as disposições pouco caridosas dos que ali moram. Então pensei que seria inútil ali pedir alguma coisa. Se aquelas pessoas não mudarem, se continuarem a não praticar a caridade, elas muito terão a lamentar. De vossa parte, jamais recuseis dar esmola, e Deus vos levará em conta os vossos sentimentos e vos dará muito além do que tiverdes dado aos infelizes. ... Estais doente dos olhos?

“─ Ah! Sim, respondeu a camponesa, e as mais das vezes minha vista é tão fraca que não posso fazer trabalhos no campo.

“─ Ora! continuou o velho, eis um par de óculos com os quais vereis perfeitamente. Tínheis uma irmã que amáveis muito e que morreu há oito anos e quatro meses.

“─ É verdade, respondeu a camponesa, cada vez mais admirada.

“─ Vossa mãe morreu há um ano.

“─ É certo, continuou ela, ainda admirada.

“─ Bem! Ireis dizer cinco Pater e cinco Ave em seu túmulo. Aliás, ambas se encontram num lugar onde são felizes e onde as vereis um dia. Antes de vos deixar, tenho uma coisa a vos recomendar. Deveis ir à casa de tal pessoa (uma moça de má conduta que tinha vários filhos) e pedireis que vos deixe levar um de seus filhos, que educareis até a época de sua primeira comunhão.

“Enfim, eis um livro de orações que deveis guardar preciosamente, e ao qual está ligada uma graça para todos os que o tocarem. As pessoas que vos vierem ver deverão, ao chegar e ao partir, dizer dois Pater e duas Ave, pelas almas do purgatório. Entre essas pessoas, cujo número aumentará dia a dia de modo considerável, há os que rirão, que zombarão; a esses não contareis nada. Não deixeis de recomendar à pessoa, na casa de quem deveis tomar o menino, que se converta, pois não creio que ela viva ainda muito tempo.

“Previno-vos que tereis uma doença grave pelo fim de março. Não chameis médico, pois será inútil. É uma prova a que vos deveis submeter com resignação. Aliás, eu voltarei a vos ver.

“E o velho afastou-se. Quando chegou a uma pequena ponte muito próxima, desapareceu de repente.

“Naturalmente, a jovem apressou-se em ir contar o fato ao senhor cura, ao qual mostrou o livro de orações. O cura lhe disse que pensava que houvesse nisto algo de extraordinário e aconselhou-a a guardar o livro com cuidado. Ela apressou-se em fazer tudo quanto o velho lhe havia recomendado e a partir de então a viram sempre com os óculos e o menino de que se havia encarregado. Ela foi visitada por uma inumerável multidão e, no último domingo, sua casa estava cheia a tal ponto que o cura teve que cantar as vésperas quase sozinho. Não posso esquecer uma circunstância importante. É que, conforme a predição do velho, a camponesa há alguns dias está de cama. Agora é preciso dizer que em Monin, como em Oloron, as opiniões estão muito divididas a respeito do fato em questão. Uns acreditam, outros ficam incrédulos. O cura de Monin, que a princípio tinha achado a coisa muito extraordinária, pregou várias vezes para dissuadir seus paroquianos de ir visitar a camponesa. Segundo ela, o personagem que se lhe apresentou disse seu nome e lhe confiou várias coisas que ela não devia revelar, pelo menos no momento. Em tudo isto, o que me faria refletir um pouco, é que ele manifestou o desejo de que se erigisse uma estátua representando-o, no lugar onde ele apareceu.

“A opinião geral, entre os crentes, é que deve ser São José. Para mim, se o fato for verdadeiro, aí não posso ver senão uma manifestação espírita, tendo por fim chamar a atenção sobre a nossa filosofia, numa região dominada por influências contrárias.”


Algumas palavras à revista espírita

(Pelo jornal "L' Exposition Popularie Illustrée")

A Exposition populaire illustrée contém, em seu número 34, o artigo seguinte, a respeito das reflexões que fizemos acompanhar os dois artigos de nosso último número sobre o cura Gassner e os prognósticos que tínhamos extraído desse jornal:

“A Revista Espírita é um jornal especial mensário que há dez anos sustenta corajosamente a luta contra a classe numerosa dos escritores e dos homens superficiais que tratam, com inveja uns dos outros, os adeptos da fé nova de ‘alucinados, iluminados, iludidos, loucos, impostores, charlatães, e enfim de subalternos de Satã.’ Vedes que certos escritores gostam mais de insultar e ultrajar do que de discutir.

“Oh! Meu Deus! Todo esse vocabulário foi esgotado há trinta e cinco ou trinta e seis anos, contra os sansimonistas e, se não erramos, a eloquencia do ministerio publico tomou parte, e nos parece que o pai e um de seus ardentes discípulos foram atingidos por uma condenação que os deixou livres para dirigirem grandes administrações, para ter assento no Instituto, para serem elevados à dignidade de senador, para usarem insígnias de diversas condecorações, inclusive a cruz de honra, mas que não lhes permite tomar parte no Conselho Municipal de sua cidade e também de usar o direito cívico do voto.

“Bem vedes que o ultraje não significa grande coisa; contudo, também vedes bem que sempre resta alguma coisa. É uma espécie de calúnia. Ora, alguém disse, muito antes de nós, que quando a calúnia não queima, enegrece.

“Voltemos aos espíritas. Quem sabe o que está reservado aos homens da escola espírita? Talvez os vejamos um dia fazendo a curta escada para chegar às culminâncias do poder, como fazem os senhores sansimonistas.

“Sempre há os que progridem (os espíritas), que engrossam as suas fileiras com homens sérios e inteligentes, magistrados reputados em suas instituições.

“Falamos hoje da Revista Espírita, porque a Revista Espírita quis se ocupar de nós em seu último número (o de novembro)... Ela reproduziu diversas passagens de nosso vigésimo quarto número, relativas a uma correspondência sobre os taumaturgos, e apressou-se em protestar contra a qualificação de taumaturgo, que nós demos, em diversos outros artigos, ao curador Jacob e aos curadores passados, presentes e futuros, quando curassem fora da terapêutica científica.

“A Revista Espírita protesta contra o vocábulo taumaturgo, porque ela não admite que nada se faça fora das leis naturais, mas me parece que é o que o nosso jornalzinho já disse mais de vinte vezes.

“Não há nada, nada, nada fora das leis naturais.

“Tudo o que existe, tudo o que acontece, tudo o que se produz é resultante de leis naturais, de fenômenos naturais, conhecidos ou desconhecidos.

“Sim, mil vezes sim, ‘os Fenômenos que pertencem à ordem dos fatos espirituais não são mais miraculosos que os fatos materiais, porquanto o elemento espiritual é uma das forças da Natureza, do mesmo modo que o elemento material’, dizeis vós.

“Sim, senhores, mil vezes sim, nós partilhamos vosso sentimento, mas protestamos contra a expressão elemento, tanto quanto vós protestastes contra a qualificação de taumaturgo dada por nós a um espírita consciente ou inconsciente.

“O vocábulo taumaturgo vos choca; dai-me um outro, racional, lógico, compreensível... eu o aceitarei.

“Por consequência lógica, a palavra milagre vos deve chocar. Dai-me uma outra para significar, para exprimir o que significa, o que exprime a palavra milagre, e eu a adotarei. Mas enquanto o vosso, enquanto o nosso dicionário não for feito, não for conhecido, teremos que recorrer ao dicionário da Academia. Na verdade, senhores espíritas, não há que outorgar-se a pretensão de ter um outro vocabulário senão o dos Senhores Quarenta.

“Linguisticamente, academicamente falando, que é um taumaturgo? Um fazedor de milagres.

“Que é um milagre? ─ Um ato da força divina, contrário às leis conhecidas da Natureza.

“Portanto, os senhores curadores, os Hohenlohe, os Gassner, os Jacob são taumaturgos, fazedores de milagres, porque agem fora das leis conhecidas da Natureza.

“Inventai, criai, dai, promulgai uma nova palavra e nós a adotaremos, mas, até lá, permiti que conservemos o velho vocabulário e que a ele nos conformemos até nova instrução. Não podemos fazer de outro modo.

“Sabeis como age Jacob? Dizei-o. Se não o sabeis, fazei como nós, reconhecei que ele age fora das leis conhecidas da Natureza, portanto que ele é taumaturgo.

“De nossa parte, como dissemos, protestamos contra a palavra elemento, por uma razão muito simples: é que declaramos ignorar completamente qual é e o que é o elemento espiritual, assim como não sabemos o que é o elemento material.

“No caso de elemento espiritual não reconhecemos senão o elemento criador: Deus... ─ Com toda a humildade, com toda a veneração, curvamos a cabeça e respeitamos o inexplicável mistério da encarnação do sopro de Deus em nós... limitando-nos a repetir o que dissemos: “Há em nós um desconhecido que somos nós, que ao mesmo tempo comanda o nosso eu matéria e lhe obedece.”

“Quanto ao que é o elemento material, proclamamos com toda a força de nossa sinceridade que não estamos menos embaraçados... a criação do primeiro homem, da primeira mulher, como seres materiais, é um mistério tão inexplicável quanto o da espiritualização desse ser criado.

“Véu de trevas, segredo do Criador, que não é permitido erguer, penetrar.

“O elemento primitivo é Deus, ou está em Deus.... Não procuremos, e digamos com o mais sábio dos doutores da Igreja: “Não procureis penetrar este mistério, pois ficaríeis louco.”

“Agora perguntaremos aos senhores da Revista Espírita, que creem na dupla vista, na visão espiritual, por que eles se erguem contra os fenômenos físicos considerados como precursores de acontecimentos felizes ou infelizes.

“Dizeis que esses fenômenos em geral não têm qualquer ligação com as coisas que parecem pressagiar. Eles podem ser os precursores de efeitos físicos que são a sua consequência, como um ponto negro no horizonte pode ao marinheiro pressagiar a tempestade, ou certas nuvens anunciar o granizo, mas a significação destes fenômenos para as coisas da ordem moral, acrescentais, devem ser postas entre as crenças supersticiosas que não poderíamos combater senão com muita energia.

“Explicai-vos um pouco melhor, senhores, porque aqui tocais uma das graves questões de ciências cabalísticas, de previsões proféticas.

“Dizei-nos francamente, lealmente, em que categoria classificais as influências numéricas. Vós as negais? Vós as contestais? Acreditais nelas? Alguma vez refletistes nestas questões?

“Tomai cuidado. Tudo se encadeia nos mistérios da criação, no segredo das correlações dos mundos, das correlações planetárias. Acreditais em vós mesmo, no vosso eu espiritual, em vosso Espírito encarnado, e credes, também, nos Espíritos desencarnados, portanto, nos Espíritos que foram encarnados e que, depurados de sua encarnação precedente, esperam uma encarnação não diremos mais celeste, mais divina, porém mais angélica... Eis a vossa fé. E depois parais a matemática divina e dizeis: Não creio nesta presciência regular, que atingiria o meu livrearbítrio; não creio nestes cálculos de detalhe... Limitai-vos a duvidar, senhores, mas não negais.

“Se estudásseis a História da Humanidade tomando por guia as concordâncias numéricas, ficaríeis esmagados e não mais ousaríeis dizer que não se poderia combater essa crença supersticiosa com demasiada energia.

“Podemos pôr sob as vossas vistas mais de quatro mil concordâncias numéricas históricas indiscutíveis. Fazei chegar um acontecimento, nascer ou morrer um ano mais cedo ou mais tarde, e a concordância cessa... Que lei as rege?... Mistério de Deus, ─ segredo desconhecido da criatura... ─ e como tudo se liga e se encadeia, ousai, vós que na vossa qualidade de espírita deveis crer no magnetismo, na sonoatividade, no sonambulismo; vós que deveis no agente (e não elemento) espiritual, como podeis negar as leis desconhecidas que regem as relações dos mundos entre si?... Credes nas relações dos Espíritos encarnados com os Espíritos desencarnados! Então sede lógicos e não recueis diante de nenhuma possibilidade ainda oculta nas trevas do desconhecido.

“Voltaremos a esta questão, que não é nova, mas que sempre ficou nos limbos da Ciência. (Servimo-nos desta palavra intencionalmente).”


Resposta

As razões pelas quais o Espiritismo repudia a palavra milagre, no que lhe concerne em particular, e em geral para os fenômenos que não fogem das leis naturais, foram muitas vezes desenvolvidas, quer em nossas obras sobre a Doutrina, quer em vários artigos da Revista Espírita. Elas estão resumidas na passagem seguinte, tirada do número de maio de 1867.

“Na sua acepção usual, o vocábulo milagre perdeu sua significação primitiva, como tantos outros, a começar pela palavra filosofia (amor à sabedoria), da qual se servem hoje para exprimir as ideias mais diametralmente opostas, desde o mais puro espiritualismo até o materialismo mais absoluto. Ninguém duvida que, no pensamento das massas, milagre implica a ideia de um fato extranatural. Perguntai a todos os que acreditam nos milagres se os olham como efeitos naturais. A Igreja está de tal modo fixada nesse ponto que anatematiza os que pretendem explicar os milagres pelas leis da Natureza. A própria Academia assim define este vocábulo: Ato do poder divino, contrário às leis conhecidas da Natureza. Verdadeiro, falso milagre. Milagre certificado. Operar milagres. O dom dos milagres.

Para ser por todos compreendido, é preciso falar como todo mundo. Ora, é evidente que se tivéssemos qualificado os fenômenos espíritas de miraculosos, o público ter-se-ia enganado quanto ao seu verdadeiro caráter, a menos que de cada vez empregássemos um circunlóquio e disséssemos que há milagres que não são milagres como geralmente eles são entendidos. Considerando-se que a generalidade a isto liga a ideia de uma derrogação das leis naturais, e que os fenômenos espíritas não passam de aplicação dessas mesmas leis, é bem mais simples, e sobretudo mais lógico, dizer claramente: Não, o Espiritismo não faz milagres. Dessa maneira, não há engano nem falsa interpretação. Assim como o progresso das ciências físicas destruiu uma porção de preconceitos, e fez entrar na ordem dos fatos naturais um grande número de efeitos outrora considerados como miraculosos, o Espiritismo, pela revelação de novas leis, vem restringir ainda o domínio do maravilhoso; dizemos mais: dá-lhe o último golpe, e é por isto que ele não está por toda parte em odor de santidade, assim como a Astronomia e a Geologia.”

Aliás, a questão dos milagres é tratada de maneira completa e com todos os desenvolvimentos que comporta, na segunda parte da nova obra que publicamos sob o título de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. A causa natural dos fatos reputados miraculosos, no sentido vulgar do termo, é explicada. Se o autor do artigo acima se der ao trabalho e a ler, verá que as curas do Sr. Jacob e todas as do mesmo gênero não são um problema para o Espiritismo, que há muito tempo sabe a que se ater nesse ponto. É uma questão quase elementar.

A acepção da palavra milagre, no sentido de fato extranatural, está consagrada pelo uso; a Igreja a reivindica para si, como parte integrante de seus dogmas. Parecenos, pois, difícil fazer esta palavra voltar à sua acepção etimológica, sem nos expormos a quiproquós. Seria preciso, diz o autor, um vocábulo novo. Ora, como tudo o que não está fora das leis da Natureza é natural, não vemos outro podendo abarcá-los todos senão o de fenômenos naturais.

Mas os fenômenos naturais, reputados miraculosos, são de duas ordens: uns dependem de leis que regem a matéria, outros de leis que regem a ação do princípio espiritual. Os primeiros são do campo da Ciência propriamente dita; os segundos estão mais especialmente no domínio do Espiritismo. Quanto a estes últimos, como são, na maior parte, uma consequência dos atributos da alma, a palavra existe: são chamados fenômenos psíquicos; e quando combinados com os efeitos da matéria, poderiam ser chamados psicomateriais ou semipsíquicos.

O autor critica a expressão elemento espiritual, pela razão, diz ele, que o único elemento espiritual é Deus. A resposta para isto é muito simples. A palavra elemento não é aqui tomada no sentido de corpo simples, elementar, de moléculas primitivas, mas no de parte constituinte de um todo. Neste sentido, pode-se dizer que o elemento espiritual é uma parte ativa na economia do Universo, como se diz que o elemento civil e o elemento militar figuram em tal proporção na cifra de uma população; que o elemento religioso entra na educação; que na Argélia há o elemento árabe e o elemento europeu, etc. Por nossa vez, diremos ao autor que, por falta de uma palavra especial para esta última acepção do vocábulo elemento, somos forçados a dele nos servirmos. Aliás, como essas duas acepções não representam ideias contraditórias, como a do vocábulo milagre, não há confusão possível, pois a ideia radical é a mesma.

Se o autor se der ao trabalho de estudar o Espiritismo, contra o qual constatamos com prazer que ele não tem uma preconcebida ideia de negação, nele encontrará a resposta às dúvidas que algumas partes de seu artigo parecem exprimir, no que se refere à maneira de encarar certas coisas, salvo, contudo, no que concerne à ciência das concordâncias numéricas, da qual jamais nos ocupamos, e sobre a qual, por conseguinte, não poderíamos ter opinião formada.

O Espiritismo não tem a pretensão de dar a última palavra sobre todas as leis que regem o Universo, razão pela qual ele jamais disse: Nec plus ultra. Por sua própria natureza, ele abre caminho a todas as novas descobertas, mas até que um princípio novo seja constatado, ele não o aceita senão a título de hipótese ou de probabilidade.

O Abade de Satin-Pierre

As Efemérides do Siècle de 29 de abril último traziam a seguinte notícia:

1743. ─ Morte do abade de Saint-Pierre (Charles-Irénée Castel de), escritor e filantropo, a cujo nome ficará eternamente ligada a lembrança do projeto de paz perpétua, cuja concepção parece tornar-se cada dia mais impraticável. A vida inteira desse digno abade se consumou em trabalhos e ações que tinham por objetivo a felicidade dos homens. Dar e perdoar devia ser, na sua opinião, a base de toda a moral, e ele a punha em prática constantemente. Foi ele, também, que criou, ou pelo menos ressuscitou a palavra beneficência, exprimindo uma virtude que exercia diariamente. O abade de Saint-Pierre nasceu a 18 de fevereiro de 1658, e a Academia Francesa lhe havia aberto suas portas em 1695. Mas um dia, na sua Polysynodie, o abade exprimiu-se severamente sobre o reinado de Luís XIV. O cardeal de Polignac denunciou o livro à Academia, que condenou o autor sem se dignar ouvi-lo, e o excluiu de seu seio em 1718. J. J. Rousseau, que compartilhou e desenvolveu algumas das ideias do Abade de Saint-Pierre, dele disse: “Era um homem raro, a honra de seu século e de sua espécie.”

O abade de Saint-Pierre era um homem de bem e de talento, justamente estimado. Nas circunstâncias presentes, a ideia que ele tinha perseguido em vida dava à sua evocação uma espécie de atualidade.

(Sociedade de Paris, 17 de maio de 1867 - Médium, Sr. Rul)

Evocação. A nota que acabamos de ler nas efemérides do Siècle nos recordou vossa memória e lemos com interesse o justo tributo de elogios prestado às qualidades que vos ensejaram merecer a estima de vossos contemporâneos e vos asseguram a da posteridade. Um homem que teve ideias tão elevadas não pode ser senão um Espírito adiantado. Eis por que ficaremos felizes por tirar proveito de vossas instruções, se tiverdes a bondade de vir ao nosso meio. Ficaremos particularmente encantados de conhecer a vossa opinião atual sobre a paz perpétua, que constituiu o objeto de vossas preocupações.

Resposta. Venho com prazer responder ao apelo do presidente. Sabeis que em todas as épocas Espíritos vêm encarnar-se na Terra, para ajudar o avanço de seus irmãos menos adiantados. Fui um desses Espíritos. Eu tinha o dever de procurar persuadir os homens que têm o hábito das lutas fratricidas, que viria uma época em que as paixões que engendram a guerra dariam lugar ao apaziguamento e à concórdia. Eu queria fazê-los pressentir que um dia os irmãos inimigos se reconciliariam e se dariam o beijo de paz; que não haveria lugar em seus corações senão para o amor e a benevolência, e que eles não mais pensariam em forjar as armas que semeiam a morte, a devastação e a ruína! Se fui benevolente, era o efeito de minha natureza mais adiantada que a dos meus contemporâneos. Hoje, muitos dentre vós praticais esta virtude evangélica, e se ela é menos notada, é que se espalhou mais e os costumes se abrandaram.

Mas volto à questão que é o objeto desta comunicação, a paz perpétua. Não há um só espírita que duvide que aquilo que se chama uma utopia, um sonho do abade de Saint-Pierre mais tarde não se torne uma realidade.

Hoje não se consegue, em meio a todos esses clamores que anunciam a aproximação de graves acontecimentos, falar de paz perpétua. Mas ficai bem persuadidos que essa paz descerá sobre a vossa Terra. Assistis a um grande espetáculo, o da renovação do vosso globo, mas quantas guerras antes! quanto sangue derramado! quantos desastres! Desgraça àqueles que, por seu orgulho, por sua ambição, tiverem desencadeado a tempestade! Eles terão que dar conta de seus atos àquele que julga os grandes e os poderosos, como julga os menores de seus filhos!

Perseverai todos, irmãos, que também sois os apóstolos da paz perpétua, porque ser discípulos do Cristo é pregar a paz, a concórdia. Entretanto, digo-vos ainda, antes que sejais testemunhas desse grande acontecimento, vereis novos engenhos de destruição, e quanto mais se multiplicarem os meios de se entrematar, mais depressa os homens prepararão o advento da paz perpétua.

Deixo-vos, repetindo as palavras do Cristo: “Paz na Terra aos homens de boa vontade.”

Aquele que foi o ABADE DE SAINT-PIERRE.




Dissertações espíritas

Erros científicos

(Paris, 20 de março de 1867 - Grupo do Sr. Lampérière)

Assim como o corpo tem os seus órgãos de locomoção, de nutrição, de respiração, etc., também o Espírito tem faculdades variadas, que se relacionam respectivamente a cada situação particular de seu ser. Se o corpo tem a sua infância; se os membros desse corpo são fracos e débeis, incapazes de mover fardos que mais tarde carregarão sem esforço, o Espírito possui, de início, faculdades que devem, como tudo o que existe, passar da infância à juventude e da juventude à idade madura. Pedireis à criança no berço que aja com a rapidez, a segurança e a habilidade do homem feito? Não; seria loucura, não é? Não se deve exigir de cada um senão o que entra no quadro de suas forças e de seus conhecimentos. Pedir àquele que jamais tocou num livro de Matemática ou de Física, que raciocine sobre um ramo qualquer dos conhecimentos que dependem dessas ciências, seria tão pouco lógico quanto pretender exigir uma descrição exata de uma região longínqua de um parisiense que jamais tivesse deixado os limites de sua cidade natal e, por vezes, o seu bairro!

É, pois, necessário, para julgar uma coisa corretamente, ter dessa coisa um conhecimento tão completo quanto possível. Seria absurdo submeter a um exame de leitura corrente aquele que apenas começa a deletrear; e contudo!... contudo, o homem, esse humanimal dotado de raciocínio, esse poderoso da criação, para quem tudo é obstáculo no livro dos mundos, essa criança terrível que apenas gagueja as primeiras palavras da verdadeira Ciência, esse mistificado da aparência, pretende ler, sem hesitação, as mais indecifráveis páginas do manual que a Natureza diariamente apresenta aos seus olhos. O desconhecido nasce sob os seus passos; bate-o em seu lado; à frente, atrás, por toda parte, em tudo não estão senão problemas sem solução, ou cujas soluções são ilógicas e irracionais, e a criança crescida desvia os olhos do livro, dizendo: Eu te conheço; passemos para outro!... Ignorante das coisas, liga-se às causas das coisas e, sem bússola, sem compasso, embarca no mar tempestuoso dos sistemas preconcebidos que o conduz fatalmente a um naufrágio, cujos resultados são a dúvida e a incredulidade! O fanatismo, filho do erro, o mantém sob o seu cetro, porque, sabei-o bem, o fanático não é aquele que crê sem provas e que, por uma fé incompreendida, daria a sua vida. Há fanáticos da incredulidade, como há fanáticos da fé!

O caminho da verdade é estreito e é necessário sondar o terreno antes de avançar, para não se precipitar nos abismos que o circundam, à direita e à esquerda.

Apressa-te devagar, diz a sabedoria das nações, e como sempre que ela está de acordo com o bom-senso, a sabedoria das nações tem razão. ─ Não deixes inimigos atrás de ti, e não avances senão quando estiveres seguro de não seres obrigado a retroceder. ─ Deus é paciente porque é eterno; o homem, que tem a eternidade diante de si, também pode ser paciente.

Se ele julga pela aparência; se se engana e reconhece o seu erro no futuro, é lógico, mas se pretende não poder enganar-se; se marca um limite qualquer ao entendimento humano, o menino reaparece sobre a água com seus caprichos e suas cóleras impotentes!... O potro ainda não tirou a bride; irrita-se, salta! O sangue quente lhe ferve nas veias!... Deixa-o, pois a idade saberá acalmar o seu ardor sem destruí-lo, e disso ele tirará mais proveito, medindo mais sabiamente o custo!

Ao nascer, o homem viu uma planície formada de Terra e de rocha estender-se sem limites sob os seus passos; uma planície de azul semeada de fogos cintilantes estendia-se sobre a sua cabeça e parecia mover-se regularmente; daí concluiu que a Terra era um largo planalto acidentado, encimado por uma cúpula animada de um movimento constante. Relacionando tudo a si, fez-se o centro de um sistema por ele criado, e a Terra imóvel contemplou o Sol girando na planície celeste. Hoje o Sol não gira mais e a Terra se pôs em movimento; o primeiro ponto talvez não fosse difícil de elucidar segundo a Bíblia, porque se Josué um dia mandou o Sol parar, não se vê em parte alguma que tenha mandado retomar o seu curso.

A inteligência humana de hoje dá um desmentido aos trabalhos das inteligências de uma época mais recuada e, assim, de idade em idade, até a origem; contudo, a despeito das lições do passado, embora se aperceba, pelos precedentes, que a utopia de ontem muitas vezes amanhã é a realidade, o homem se obstina em dizer: Não! Não irás mais longe! Quem poderia fazer mais que nós? A inteligência está no topo da escada; depois de nós não se pode senão descer!... Entretanto, os que dizem isto são testemunhas, propagadores, promotores das maravilhas realizadas pela Ciência atual. Fizeram numerosas descobertas que modificaram singularmente as teorias de seus predecessores; mas, que importa!... O eu neles fala mais alto do que a razão. Gozando de uma realeza de um dia, não podem admitir que amanhã sejam submetidos a um poder que o futuro mantém ao abrigo de seus olhares.

Eles negam o Espírito, como negavam o movimento da Terra!... Lamentemolos e consolemo-nos de sua cegueira dizendo-nos que o que é não pode ficar eternamente oculto; a luz não pode tornar-se sombra; a verdade não pode tornar-se erro; as trevas se desfazem ante a aurora.

Ó Galileu!... Onde quer que estejas, tu te alegras, porque ela se move... E podemos alegrar-nos, nós também, porque nossa Terra, nosso mundo, a inteligência, o Espírito também tem o seu movimento incompreendido, desconhecido, mas que em breve tornar-se-á tão evidente quanto os axiomas reconhecidos pela Ciência.

FRANÇOIS ARAGO.


A exposição

(Paris, grupo Desliens - Médium: Sr. Desliens)

O observador superficial que neste momento lançasse os olhos sobre o vosso mundo, sem se preocupar muito com algumas pequenas manchas disseminadas na superfície, e que parecem destinadas a fazer ressaltar os esplendores do conjunto, sem a menor dúvida diria que jamais a Humanidade apresentou uma fisionomia mais feliz. Por toda parte celebram-se à porfia as núpcias de Gamache. Não são senão festas, trens de prazer, cidades enfeitadas e rostos alegres. Todas as grandes artérias do globo trazem à vossa capital muito apertada a multidão colorida, vinda de todos os climas. Em vossos bulevares, o chinês e o persa saúdam o russo e o alemão; a Ásia em casimira dá a mão à África em turbante; o novo mundo e o antigo, a jovem América e os cidadãos do mundo europeu se chocam, se acotovelam, se entretêm num tom de amizade inalterável.

Estará o mundo realmente convidado para a festa da paz? A Exposição francesa de 1867 seria o sinal tão esperado da solidariedade universal? ─ Seríamos tentados a crer, se todas as animosidades estivessem extintas; se cada um, pensando na prosperidade industrial e na vitória da inteligência sobre a matéria, deixasse tranquilamente os engenhos de morte, os instrumentos de violência e de força, dormir no fundo de seus arsenais em estado de relíquias próprias para satisfazer a curiosidade dos visitantes.

Mas estais nisto? Claro que não! O rosto faz careta debaixo do sorriso, o olhar ameaça quando a boca cumprimenta, e apertam-se cordialmente as mãos no momento mesmo em que cada um medita a ruína de seu vizinho. Riem, cantam, dançam. Mas escutai bem, e ouvireis o eco repetir esses risos e esses cantos como soluços e gritos de agonia!

A alegria está nos rostos, mas a inquietude está nos corações. Alegram-se para se atordoar e, se pensarmos no dia seguinte, fecharemos os olhos para não ver.

O mundo está em crise, e o comércio pergunta o que fará quando o grande zum-zum da Exposição tiver passado. Cada um medita sobre o futuro, e sentimos que neste momento só vivemos hipotecando o tempo futuro.

Que falta, pois, a todos esses felizes? Não são hoje o que eram ontem? Não serão amanhã o que são hoje? Não, o arco comercial, intelectual e moral se verga cada vez mais, a corda se distende e a flecha vai partir! ─ Onde os levará ela? ─ Eis o segredo do medo instintivo que se reflete em muitas frontes. Eles não veem, não sabem, pressentem um não sei que; um perigo está no ar, e cada um treme, cada um se sente moralmente oprimido, como quando uma tempestade, prestes a desabar, age sobre os temperamentos nervosos. Cada um está à espera, e o que acontecerá? Uma catástrofe ou uma solução feliz? Nem uma, nem outra; ou melhor, os dois resultados coincidirão.

O que falta às populações inquietas, às inteligências em apuros, é o senso moral atacado, macerado, semidestruído pela incredulidade, pelo positivismo, pelo materialismo. Acreditam no nada, mas o temem; sentem-se no pórtico desse nada, mas tremem!... Os demolidores fizeram a sua obra, o terreno está limpo. ─ Construí, então, com rapidez, para que a geração atual não fique mais tempo sem abrigo! Até aqui o céu se manteve estrelado, mas uma nuvem aparece no horizonte. Cobri depressa os vossos tetos hospitalares; convidai todos os hóspedes das planícies e das montanhas. O furacão em breve vai destruir com vigor, e então, desgraçados dos imprudentes, confiantes na certeza do bom tempo. Eles terão a solução de seus vagos receios, e, se saírem da liça semimortos, rasgados, vencidos, não deverão culpar senão a si próprios, à sua recusa em aceitar a hospitalidade tão generosamente oferecida.

À obra, pois. Construí cada vez mais depressa. Acolhei o viajante que vem a vós, mas ide também procurar e tentai trazer a vós, aquele que se afasta sem bater à vossa porta, porque Deus sabe a quantos sofrimentos ele estaria exposto antes de encontrar o menor retiro capaz de preservá-lo do alcance do flagelo.



MOKI.

ALLAN KARDEC.



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