Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

Plano de campanha - Era nova - Considerações sobre o sonambulismo espontâneo

(Paris, 10 de novembro de 1867 - Médium: Sr. T... Em sono espontâneo)

NOTA: Nessa sessão, nenhuma pergunta prévia tinha provocado o assunto que foi tratado. A princípio o médium se havia ocupado de saúde, depois, pouco a pouco, viu-se conduzido às reflexões cuja análise damos a seguir. Ele falou durante cerca de uma hora, sem interrupção.

Os progressos do Espiritismo causam aos seus inimigos um terror que eles não podem dissimular. No começo brincaram com as mesas girantes, sem pensar que acariciavam uma criança que devia crescer;... a criança cresceu... então eles pressentiram o seu futuro e disseram para si mesmos que em breve estariam com a razão... Mas, como se costuma dizer, o menino tinha vida dura. Resistiu a todos os ataques, aos anátemas, às perseguições, mesmo às troças. Semelhante a certos grãos que o vento carrega, produziu inúmeros renovos... Para cada um que destruíam, surgiam cem outros.

A princípio empregaram contra ele as armas de outra época, as que outrora davam resultado contra as ideias novas, porque essas ideias eram apenas clarões esparsos que tinham dificuldade de vir à luz através da ignorância, e que ainda não tinham criado raízes nas massas;... hoje é outra coisa; tudo mudou: os costumes, as ideias, o caráter, as crenças; a Humanidade não mais se emociona com as ameaças que amedrontam as crianças; o diabo, tão temido por nossos avós, já não mete medo: rimos dele.

Sim, as armas antigas entortaram-se na couraça do progresso. É como se, em nossos dias, um exército quisesse atacar uma praça forte guarnecida de canhões, com as flechas, os aríetes e as catapultas dos nossos antepassados.

Os inimigos do Espiritismo viram, pela experiência, a inutilidade das armas carcomidas do passado contra a ideia regeneradora; longe de prejudicá-lo, seus esforços só serviam para dar-lhe autoridade.

Para lutar com vantagem contra as ideias do século, seria preciso estar à altura

do século; às doutrinas progressistas seria necessário opor doutrinas ainda mais progressistas, pois mas o menos não pode vencer o mais.

Então, não podendo triunfar pela violência, recorreram à astúcia, a arma dos que têm consciência de sua fraqueza... De lobos, fizeram-se cordeiros, para se introduzirem no aprisco e aí semear a desordem, a divisão, a confusão. Porque chegaram a lançar a perturbação nalgumas fileiras, cedo de mais se julgaram senhores da praça. Nem por isto os adeptos isolados deixaram de continuar sua obra, e diariamente, a ideia abre o seu caminho sem muito alarido... Eles é que fizeram o alarido... Não a vedes perpassar tudo, nos jornais, nos livros, no teatro e mesmo na cátedra? Ela trabalha todas as consciências; ela arrasta os Espíritos para novos horizontes; é encontrada no estado de intuição mesmo naqueles que dela não ouviram falar. Eis um fato que ninguém pode negar e que a cada dia se torna mais evidente. Não é a prova de que a ideia é irresistível e que ela é um sinal dos tempos?

Aniquilá-lo é, pois, uma coisa impossível, porque seria preciso aniquilá-lo não num ponto, mas no mundo inteiro; e depois, as ideias não são levadas nas asas do vento? E como atingi-las? Pode-se pegar pacotes de mercadorias na alfândega, mas as ideias são intangíveis.

Que fazer, então? Tentar apoderar-se delas, para acomodá-las à sua vontade... Pois bem! É o partido pelo qual se decidiram. Disseram de si para si: O Espiritismo é o precursor de uma revolução moral inevitável; antes que ela se realize completamente, tratemos de desviá-la em nosso proveito; façamos de maneira que aconteça com ela como com certas revoluções políticas; desnaturando o seu espírito, poder-se-ia imprimir-lhe outro curso.

Assim, o plano de campanha está mudado... Vereis formarem-se reuniões espíritas cujo objetivo confessado será a defesa da Doutrina, e cujo objetivo secreto será a sua destruição; supostos médiuns que terão comunicações encomendadas, adequadas ao fim que se propõem; publicações que, sob o manto do Espiritismo, esforçar-se-ão para o demolir; doutrinas que lhe tomarão algumas ideias, mas com o pensamento de suplantá-lo. Eis a luta, a verdadeira luta que ele terá de sustentar, e que será perseguida encarniçadamente, mas da qual ele sairá vitorioso e mais forte.

Que podem os homens contra a vontade de Deus? É possível desconhecê-la ante o que se passa? Seu dedo não é visível nesse progresso que desafia todos os ataques, nesses fenômenos que surgem de todos os lados como um protesto, como um desmentido dado a todas as negações?... A vida dos homens, a sorte da Humanidade não está em suas mãos?... Cegos!... Eles não contam com a nova geração que se ergue e que diariamente supera a geração que se vai... Ainda alguns anos e esta terá desaparecido, não deixando depois de si senão a lembrança de suas tentativas insensatas para deter o impulso do espírito humano, que avança a despeito de tudo... Eles não contam com os acontecimentos que vão apressar o desabrochar do novo período humanitário... com apoios que se vão erguer em favor da nova doutrina cuja voz poderosa imporá silêncio aos seus detratores por sua autoridade.

Oh! Como estará mudada a face do mundo para aqueles que virem o começo do próximo século!... Quanta ruína eles verão em sua retaguarda, e que esplêndidos horizontes abrir-se-ão à sua frente!... Será como a aurora afugentando as sombras da noite... Aos ruídos, aos tumultos, aos rugidos da tempestade sucederão cantos de alegria; depois das angústias, os homens renascerão para a esperança... Sim! O século XX será um século abençoado, porque verá a era nova anunciada pelo Cristo.

NOTA: Aqui o médium para, dominado por indizível emoção, e como que esgotado de fadiga. Após alguns minutos de repouso, durante os quais parece voltar ao grau de sonambulismo ordinário, ele retoma:

─ O que eu vos dizia eu então? ─ Vós nos faláveis do novo plano de campanha dos adversários do Espiritismo; depois falastes da era nova. ─ Continuo.

Enquanto esperam, disputam o terreno palmo a palmo. Eles renunciaram pouco mais ou menos às armas de outros tempos, cuja ineficácia reconheceram; agora ensaiam as que são onipotentes neste século de egoísmo, de orgulho e de cupidez: o ouro, a sedução do amor-próprio. Junto aos que são inacessíveis ao medo, exploram a vaidade, as necessidades terrenas. Aquele que resistiu à ameaça, às vezes dá ouvidos complacentes à adulação, ao gosto do bem-estar material... Prometem pão ao que o não o tem; trabalho ao artesão; freguesia ao negociante; promoção ao empregado; honras aos ambiciosos, se renunciarem às suas crenças. Ferem-no em sua posição, em seus meios de existência, em suas afeições, se forem indóceis; depois, a miragem do ouro produz sobre alguns o seu efeito ordinário. Entre esses encontram-se, necessariamente, alguns caracteres fracos que sucumbem à tentação. Há os que caem na armadilha de boa-fé, porque a mão que os manobra se esconde... Há também, e muitos, que cedem à dura necessidade, mas que não pensam menos nisso; sua renúncia é apenas aparente; eles se vergam, mas para se erguerem na primeira ocasião... Outros, aqueles que no mais alto grau têm a verdadeira coragem da fé, enfrentam o perigo resolutamente; esses vencem sempre, porque são sustentados pelos bons Espíritos... Alguns, ah!... mas estes jamais foram espíritas de coração... preferem o ouro da Terra ao ouro do Céu; eles ficam, pela forma, ligados à doutrina, e sob esse manto, apenas servem melhor à causa de seus inimigos... É uma triste troca que eles fazem, e que pagarão bem caro!

Nos tempos de cruéis provas que ides atravessar, felizes aqueles sobre os quais se estender a proteção dos bons Espíritos, porque jamais ela foi tão necessária!... Orai pelos irmãos desgarrados, a fim de que aproveitem os curtos instantes de moratória que lhes são concedidos, antes que a justiça do Altíssimo pese sobre eles... Quando eles virem rebentar a tempestade, mais de um pedirá graça!... Mas lhes será respondido: Que fizestes dos nossos ensinamentos? Como médiuns, não escrevestes centenas de vezes a vossa própria condenação?... Tivestes a luz e não a aproveitastes! Nós vos tínhamos dado um abrigo; por que o abandonastes? Sofrei, pois, a sorte daqueles que preferistes. Se vosso coração tivesse sido tocado por nossas palavras, teríeis ficado firmes no caminho do bem que vos era traçado; se tivésseis tido fé, teríeis resistido às seduções estendidas ao vosso amor-próprio e à vossa vaidade. Então acreditastes poder no-las impor, como aos homens, por falsas aparências? Sabei, se duvidastes, que não há um só movimento da alma que não tenha seu contragolpe no mundo dos Espíritos.

Credes que seja por nada que se desenvolve a faculdade da vidência em tão grande número de pessoas? Que seja para oferecer um alimento à curiosidade que hoje tantos médiuns adormecem espontaneamente em sono de êxtase? Não. Desenganei-vos. Esta faculdade, que há tanto tempo vos é anunciada, é um sinal característico dos tempos que são chegados; é um prelúdio da transformação, porque, como vos foi dito, este deve ser um dos atributos da nova geração. Essa geração, mais depurada moralmente, sê-lo-á também fisicamente. A mediunidade, sob todas as formas, será mais ou menos geral, e a comunhão com os Espíritos um estado, por assim dizer, normal.

Deus envia a faculdade de vidência nesses momentos de crise e de transição, para dar aos seus fiéis servidores um meio de frustrar a trama de seus inimigos, porque os maus pensamentos que eles julgam escondidos na sombra dos refolhos da consciência, repercutem nessas almas sensíveis como num Espelho, e se desvelam por si mesmos. Aquele que só emite bons pensamentos não teme que os conheçam.

Feliz aquele que pode dizer: Lede em minha alma como num livro aberto.

OBSERVAÇÃO: O sonambulismo espontâneo, do qual já falamos, não é, com efeito, senão uma forma de mediunidade vidente, cujo desenvolvimento era anunciado há já algum tempo, assim como o aparecimento de novas aptidões mediúnicas. É notável que em todos os momentos de crise geral ou de perseguição, as pessoas dotadas dessa faculdade são mais numerosas do que nos tempos normais. Houve muitos no momento da revolução; os Calvinistas das Cévènes, perseguidos como animais selvagens, tinham numerosos videntes que os advertiam do que se passava ao longe; por este fato, e por ironia, eram qualificados de iluminados; hoje começa-se a compreender que a visão à distância e independente dos órgãos da visão pode bem ser um dos atributos da natureza humana, e o Espiritismo a explica pela faculdade expansiva e pelas propriedades da alma. Os fatos deste gênero de tal modo se multiplicaram, que já nos admiramos menos; o que outrora a alguns parecia milagre ou sortilégio é hoje considerado como efeito natural. É uma das mil vias pelas quais penetra o Espiritismo, de sorte que, se estancam uma fonte, ele ressurge por outros caminhos.

Então, esta faculdade não é nova, mas ela tende a se generalizar, sem dúvida pelo motivo indicado na comunicação acima, mas também como meio de provar aos incrédulos a existência do princípio espiritual. No dizer dos Espíritos, ela se tornaria mesmo endêmica, o que naturalmente se explicaria pela transformação moral da Humanidade, transformação que deverá produzir no organismo modificações que facilitarão a expansão da alma.

Como outras faculdades mediúnicas, esta pode ser explorada pelo charlatanismo. Assim, é bom manter-se em guarda contra a charlatanice que, por um motivo qualquer, poderia tentar simulá-la e, por todos os meios possíveis, assegurarse a boa-fé dos que dizem possuí-la. Além do desinteresse material e moral e da honorabilidade notória da pessoa, que são as primeiras garantias, convém observar com cuidado as condições e as circunstâncias nas quais se produz o fenômeno e ver se nada oferecem de suspeito.


Os Espiões

(Sociedade de Paris, 12 de julho de 1867 - Médium: Sr. Moin, em sono espontâneo)

Quando, em consequência de uma terrível convulsão da Humanidade, a Sociedade inteira se movia lentamente, abatida, esmagada e ignorando a causa de seu abatimento, alguns seres privilegiados, velhos veteranos do bem, colocando à disposição de todos a sua experiência da dificuldade de reproduzi-lo e acrescentando a isso o respeito que devia provocar sua conduta e sua posição, resolveram tentar aprofundar as causas dessa crise geral que atinge cada um em particular.

A era nova começa, e com ela o Espiritismo (Esta palavra foi criada; nada mais resta senão torná-la compreendida e cada um aprender a sua significação). O tempo impassível prossegue em sua marcha perene, e o Espiritismo, que já não é uma simples palavra, não tem mais que se fazer compreender: ele é compreendido!... Mas, alguns veteranos espíritas, esses criadores, esses missionários, estão sempre à testa do movimento... Seu pequeno batalhão é muito fraco em número, mas, paciência!... pouco a pouco ele ganha adeptos, e em breve será um exército, um exército de veteranos do bem, porque, em geral, o Espiritismo, em seu começo, em seus primeiros anos, quase não tocou senão os corações já gastos pelo atrito da vida, os corações que sofreram e pagaram, aqueles que levavam em germe os princípios do belo, do bem, do grande.

Descendo sucessivamente do velho à ideia madura, da idade madura à idade viril e da idade viril à adolescência, o Espiritismo infiltrou-se em todas as idades, como em todos os corações, em todas as religiões, em todas as seitas, em toda parte! A assimilação foi lenta, mas segura!... E hoje não temais que caia essa bandeira espírita, sustentada desde o início por uma mão firme e segura, porque hoje, as jovens falanges dos batalhões espíritas não gritam, como seus adversários: “Espaço aos jovens.” Não, eles não dizem: “Saí, velhos, para deixar os moços assumirem.” Eles não pedem senão um lugar no banquete da inteligência; senão o direito de se sentarem ao lado de seus vanguardeiros e de trazer seu óbolo ao grande todo. Hoje a juventude se viriliza; traz sua contribuição à idade madura, em troca da experiência desta última, em razão da grande lei da reciprocidade e das consequências do trabalho coletivo para a ciência, a moralidade, o bem; porque, em definitivo, se a ciência progride, em benefício de quem ela progride? Não são os corpos humanos que tiram proveito de todas as elucidações, de todos os problemas resolvidos, de todas as invenções? Isto beneficia a todos, assim como se progredirdes em moralidade, isso beneficiará a todos os Espíritos. Hoje, portanto, os jovens e os velhos são iguais perante o progresso e devem combater lado a lado por sua realização.

O batalhão tornou-se um exército, exército invulnerável, mas que deve combater não um, mas milhares de adversários coligados contra ele. Assim, moços, trazei com confiança o ímpeto de vossas convicções, e vós, velhos, vossa sabedoria, vosso conhecimento dos homens e das coisas, vossa experiência sem ilusão.

O exército está em posição de batalha. Vossos inimigos são numerosos, mas não estão em vossa frente, face a face, peito contra peito. Eles estão por toda parte, na frente, atrás, ao vosso lado, em vosso meio, no vosso próprio coração, e não tendes para combatê-lo senão vossa boa vontade, vossas consciências leais e vossas tendências para o bem. Desses exércitos coligados, um se chama orgulho e os outros são a ignorância, o fanatismo, a superstição, a preguiça, os vícios de toda natureza.

Vosso exército, que deve combater de frente, também deve saber lutar em particular, porque não sereis um contra um, mas um contra dez!... Que bela vitória a conquistar!... Então! Se combaterdes todos em massa, com a esperança de triunfar, inicialmente combatei contra vós mesmos, dominai vossas más tendências. Hipócritas, adquiri sinceridade; preguiçosos, tornai-vos trabalhadores; orgulhosos, sede humildes. Estendei a mão à lealdade vestida com uma blusa em frangalhos, e todos, solidariamente, tomai e sustentai o compromisso de fazer a outrem o que queríeis que vos fosse feito. Assim, não gritemos: Espaço para jovens, mas lugar para tudo o que é belo, bem; para tudo o que tende a aproximar-se da Divindade.

Hoje começa-se a tomar em consideração esse pobre Espiritismo, que diziam natimorto. Nele veem um inimigo sério, mas por quê?... Não temiam, no começo, aquele menino franzino; riam-se de seus esforços impotentes, mas hoje, que o menino tornou-se homem, temem-no, porque ele tem a força da idade viril. É que ele reuniu em torno de si homens de todas as idades, de todas as posições sociais, de todos os graus de inteligência, que compreendem que a sabedoria, o conhecimento adquirido, pode tão bem residir no coração de um moço de vinte anos quanto no cérebro de um homem de sessenta.

Portanto, hoje esse pobre Espiritismo é temido, respeitado. Não ousam vir de frente, medir-se com ele; tomam pelos desvios, o caminho dos covardes!... Eles não vêm à luz do dia dizer-lhe: Tu não existes; eles vêm no meio de seus partidários, falar como eles, fazer como eles, aplaudir e aprovar tudo quanto eles fazem enquanto estão com eles, para combatê-los e traí-los quando estiverem pelas costas. Sim, eis o que fazem hoje! No começo diziam na cara o que pensavam do menino magricela, mas hoje não ousam mais, porque ele cresceu e, contudo, jamais ele mostrou os dentes.

Se me dizem que vos diga isto, embora me seja sempre penoso, é que isto tinha a sua utilidade; nada, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhuma entonação de voz se efetua sem que haja uma razão de ser e que não traga seu contingente ao equilíbrio geral. A administração dos correios lá do alto é muito mais inteligente e mais completa que a da vossa Terra. Toda palavra vai ao seu destino, ao seu endereço, sem envelope, ao passo que entre vós a carta sem envelope não chega nunca.

OBSERVAÇÃO: A comunicação acima, como se vê, é uma aplicação do que foi dito na precedente, sobre o efeito da faculdade de vidência, e esta não é a única vez em que nos foi dado constatar os serviços que essa faculdade é chamada a prestar. Não quer dizer que seja preciso juntar uma fé cega a tudo quanto pode ser dito em casos semelhantes; seria tão imprudente crer sem reservas no primeiro que aparecesse, quanto desprezar os avisos que podem ser dados por essa via. O grau de confiança que se pode a isso conceder depende das circunstâncias. Essa faculdade requer ser estudada. Antes de tudo, é preciso agir com circunspecção e evitar um julgamento precipitado.

Quanto ao fundo da comunicação, sua coincidência com a que foi dada cinco meses antes, através de outro médium e em outro meio, é um fato digno de nota, e sabemos que instruções análogas são dadas em diversos centros. Assim, é prudente manter reserva em relação às pessoas sobre cuja sinceridade não se tem toda a razão de estar convicto. Sem dúvida os espíritas não têm senão princípios altamente confessáveis; nada têm a ocultar; mas o que têm a temer é ver suas palavras desnaturadas e suas intenções mascaradas; são as armadilhas preparadas à sua boa-fé por pessoas que defendem o falso para saber a verdade; que, sob a aparência de um zelo muito exagerado para ser sincero, tentam arrastar os grupos por um caminho comprometedor, quer para lhes suscitar embaraços, quer para lançar o desfavor sobre a doutrina.


A responsabilidade moral

(Sociedade de Paris, 7 de julho de 1867 - Médium: Sr. Nivard)

Assisto a todas as tuas conversas mentais, mas sem dirigi-las; teus pensamentos são emitidos em minha presença, mas eu não os provoco. É o pressentimento dos casos que têm alguma chance de se apresentar que faz nascerem em ti os pensamentos adequados à solução das dificuldades que eles poderiam te suscitar. Aí está o livre-arbítrio; é o exercício do Espírito encarnado, tentando resolver problemas que provoca para si mesmo.

Com efeito, se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de haver seguido os bons. Ora, essa responsabilidade e esse mérito evidentemente seriam menores do que se fossem resultado do pleno exercício do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito que, nesse caso, age sem qualquer solicitação.

Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam, são o resultado do exercício intelectual, da mesma forma que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal.

Daí não se deve concluir que o homem não é assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que os cercam, muito pelo contrário; os Espíritos, sejam benevolentes ou malévolos, são muitas vezes a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos, mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, quando agis, julgais fazê-lo em virtude do vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e aqueles que realizais sob a influência dos Espíritos, senão no grau do mérito ou da responsabilidade.

Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que este princípio que enuncio não necessita de demonstração. Para prová-lo bastar-me-á fazer uma comparação com o que acontece entre vós.

Se um homem cometeu um crime, e se o tiver cometido seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre aquele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo, concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; ela irá mais longe, porquanto punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime, e sem haver contribuído de outra maneira, esse homem será mais severamente punido do que aquele que foi apenas o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que ensejou execução. Então! Se os homens, neste caso, reduzem a responsabilidade do criminoso e a partilham com o infame que o impeliu a cometer o crime, como queríeis que Deus, que é a própria justiça, não fizesse o mesmo, sendo que vossa razão vos diz que é justo agir assim?

No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade, e pode demonstrar-se invertendo a proposição.

Assim, pois, quando te acontece refletir e transitar com as tuas ideias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando tu analisas, quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem. Eles aí estão, perto de ti, e te escutam; eles veem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplicado quando veem que tuas conclusões estão de acordo com a verdade.

Por vezes lhes ocorre, evidentemente, de se imiscuírem nesse exercício, quer para facilitá-lo, quer para dar ao Espírito alguns estímulos, ou lhe criar algum embaraço, a fim de tornar essa ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica. Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.

Teu pai, que vela por ti, e que está feliz por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave doença).

LOUIS NIVARD.


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