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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867 > Fevereiro
Fevereiro
Livre pensamento e livre consciência
Num artigo do nosso último número, sob o título de Olhar retrospectivo sobre o Movimento Espírita, destacamos duas classes distintas de livres-pensadores: os incrédulos e os crentes, e dissemos que, para os primeiros, ser livre-pensador não é apenas crer no que se quer, mas não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor a Deus e ao futuro; para os segundos, é subordinar a crença à razão e libertar-se do jugo da fé cega. Estes últimos têm como órgão de publicidade o Libre Conscience (Livre Consciência), título significativo; os outros, o jornal Libre Pensée (Livre Pensamento), qualificação mais vaga, mas que se especializa pelas opiniões formuladas, e que vêm em todos os pontos corroborar a distinção que fizemos. Aí lemos, no nº 2, de 28 de outubro de 1866:
“As questões de origem e de fim até aqui preocuparam a Humanidade a ponto de, por vezes, perturbar-lhe a razão. Esses problemas, que foram classificados de temíveis, e que julgamos de importância secundária, não são do domínio imediato da Ciência. Sua solução científica não pode oferecer senão meia certeza. Tal qual é, entretanto, ela nos basta, e não tentaremos completá-la por argúcias metafísicas. Ademais, nosso objetivo é nos ocuparmos apenas de assuntos abordáveis pela observação. Pretendemos ficar com os pés no chão. Se por vezes dele nos afastamos para responder aos ataques dos que não pensam como nós, a excursão fora do real será de curta duração. Teremos sempre presente à lembrança este sábio conselho de Helvetius: “É preciso ter coragem de ignorar o que não podemos saber.”
“Um novo jornal, o Libre Conscience, nosso irmão alguns dias mais velho, como faz notar, deseja-nos boas-vindas em seu primeiro número. Nós agradecemos pela maneira cortês como usou o seu direito de primogenitura. Nosso confrade pensa que, malgrado a analogia dos títulos, não estaremos sempre em ‘completa afinidade de ideias.’ Após a leitura de seu primeiro número estamos certos disso; também não compreendemos a livre consciência nem o livre pensamento com um limite dogmático previamente estabelecido. Quando alguém claramente se declara discípulo da Ciência e campeão da livre consciência, é irracional, em nossa opinião, se em seguida considera como dogma uma crença qualquer, impossível de ser comprovada cientificamente. A liberdade assim limitada não é a liberdade. Por nossa vez, damos as boas-vindas ao Libre Conscience e estamos dispostos a ver nele um aliado, pois declara o desejo de combater em favor de todas as liberdades... menos uma.”
É estranho ver a origem e o fim da Humanidade serem considerados como questões secundárias, próprias para perturbar a razão. Que dizer de um homem que, ganhando apenas o necessário para seu sustento, não se inquietasse com o dia de amanhã? Passaria por um homem sensato? O que pensaríamos daquele que, tendo uma mulher, filhos, amigos, dissesse: Pouco me importa se amanhã eles estarão vivos ou mortos! Ora, o amanhã da morte é longo, portanto, não há por que admirar-se que tanta gente com ele se preocupe.
Se fizermos a estatística de todos os que perdem a razão, veremos que o maior número está precisamente do lado daquele que não crê nesse amanhã, ou que dele duvida, e isto pela razão muito simples que a grande maioria dos casos de loucura é produzida belo desespero e pela falta de coragem moral que faz suportar as misérias da vida, ao passo que a certeza desse amanhã torna menos amargas as vicissitudes do presente, e os faz considerá-las como incidentes passageiros, motivo pelo qual o moral não se afeta senão mediocremente ou não se afeta. Sua confiança no futuro lhes dá uma força que jamais terá aquele que tem apenas o nada como perspectiva. Ele está na posição de um homem que, arruinado hoje, tem a certeza de ter amanhã uma fortuna superior à que acaba de perder. Neste caso, ele facilmente toma uma decisão e fica calmo. Se, ao contrário, nada espera, ele se desespera e sua razão pode sofrer com isso.
Ninguém contestará que saber diariamente de onde viemos e para onde vamos, o que fizemos na véspera e o que faremos amanhã não seja uma coisa necessária para regular os negócios diários da vida, e que isso não influa na conduta pessoal. Seguramente o soldado que sabe para onde o conduzem, que vê o seu objetivo, marcha com mais firmeza, com mais disposição, com mais entusiasmo do que se o conduzissem às cegas. Assim é com as pequenas e com as grandes coisas, com os indivíduos e com os grupos. Saber de onde se vem e para onde se vai não é menos necessário para regrar os negócios de vida coletiva da Humanidade. No dia em que a Humanidade inteira tivesse a certeza de que a morte era certa, veríamos uma confusão geral e os homens se atirando uns contra os outros, dizendo: Se temos que viver apenas um dia, vivamos o melhor possível, não importa às custas de quem!
O jornal Libre Pensée declara que pretende manter os pés no chão, e se dele eventualmente se afastar, será para refutar os que não pensam como ele, mas que suas excursões fora da realidade terão curta duração. Compreenderíamos que assim fosse com um jornal exclusivamente científico, tratando de matérias especiais. É evidente que seria intempestivo falar de espiritualidade, de Psicologia ou de Teologia a propósito de Mecânica, de Química, de Física, de cálculos matemáticos, do comércio ou da indústria; mas, como ele inclui a Filosofia em seu programa, não poderia cumpri-lo sem abordar questões metafísicas. Embora a palavra filosofia seja muito elástica e tenha sido singularmente desviada de sua acepção etimológica, ela implica, por sua própria essência, pesquisas e estudos que não são exclusivamente materiais.
O conselho de Helvetius: “É preciso ter coragem de ignorar o que não podemos saber” é muito sábio e se dirige sobretudo aos sábios presunçosos que pensam que nada pode ser oculto ao homem, e que o que eles não sabem ou não compreendem não deve existir. Entretanto, seria mais justo dizer: “É preciso ter coragem de confessar a própria ignorância sobre aquilo que não se sabe.” Tal qual está formulado, poder-se-ia traduzi-lo assim: “É preciso ter a coragem de conservar a sua ignorância,” de onde esta consequência: “É inútil procurar saber o que não sabemos.” Sem dúvida há coisas que o homem jamais saberá, enquanto estiver na Terra, porque, por maior que seja a sua presunção, a Humanidade aqui está ainda no estado de adolescência. Mas quem ousaria traçar limites absolutos ao que ele pode saber? Considerando-se que ele sabe hoje infinitamente mais que os homens dos tempos primitivos, por que, mais tarde, não poderia saber mais do que sabe agora? É o que não podem compreender os que não admitem a perpetuidade e a perfectibilidade do ser espiritual. Muitos dizem para si mesmos: Estou no topo da escada intelectual; o que não vejo e não compreendo, ninguém pode ver e compreender.
No parágrafo acima, relativo ao jornal Libre Conscience, diz ele: “Também não compreendemos a livre consciência senão como o livre pensamento com um limite dogmático previamente estabelecido. Quando claramente nos declaramos discípulos da Ciência, é irracional estabelecer como um dogma uma crença qualquer impossível de ser cientificamente comprovada. A liberdade assim limitada não é a liberdade.”
Toda a doutrina está nestas palavras; a profissão de fé é clara e categórica. Assim, porque Deus não pode ser demonstrado por uma equação algébrica e a alma não é perceptível com o auxílio de um reativo, é absurdo crer em Deus e na alma. Todo discípulo da Ciência deve, pois, ser ateu e materialista. Mas, para não sair da materialidade, a Ciência é sempre infalível em suas demonstrações? Não a vimos tantas vezes dar como verdades o que mais tarde foi reconhecido como erro, e vice-versa? Não foi em nome da Ciência que o sistema de Fulton foi declarado uma quimera? Antes de se conhecer a lei da gravitação, não demonstrou ela cientificamente que não podia haver antípodas? Antes de conhecer a de eletricidade, ela não demonstrou por a + b que não existia velocidade capaz de transmitir um telegrama a quinhentas léguas em alguns minutos?
Muitas experiências haviam sido feitas com a luz, contudo, ainda há poucos anos, quem teria imaginado os prodígios da fotografia? Entretanto, não foram os cientistas oficiais que fizeram essa prodigiosa descoberta, nem as do telégrafo elétrico e da máquina a vapor. Em nossos dias, conhece a Ciência todas as leis da Natureza? Só ela sabe todos os recursos que podem ser tirados das leis conhecidas? Quem ousaria dizê-lo? Não é possível que um dia o conhecimento de novas leis torne a vida extracorpórea tão evidente, tão racional, tão inteligível quanto a dos antípodas? Um tal resultado, cortando cerce todas as incertezas, seria então para desdenhar? Seria menos importante para a Humanidade que a descoberta de um novo continente, de um novo planeta, de um novo engenho de destruição? Pois bem! Esta hipótese tornou-se realidade; é ao Espiritismo que a devemos, e é graças a ele que tanta gente que acreditava morrer uma só vez e para sempre, agora está certa de viver para sempre.
Falamos da força de gravitação, dessa força que rege o Universo, desde o grão de areia até os mundos. Mas, quem a viu? Quem pôde segui-la e analisá-la? Em que consiste ela? Qual a sua natureza e a sua causa primeira? Ninguém sabe, contudo, ninguém hoje dela duvida. Como a reconheceram? Por seus efeitos; dos efeitos concluíram a causa. Fizeram mais: calculando a força dos efeitos, calculou-se a força da causa, que jamais foi vista. Dá-se o mesmo com Deus e com a vida espiritual, que julgamos por seus efeitos, conforme o axioma: “Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. A força da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.” Crer em Deus e na vida espiritual não é, pois, uma crença puramente gratuita, mas um resultado de observações tão positivas quanto as que nos permitiram crer na força da gravitação.
Depois, na falta de provas materiais, ou concorrentes a estas, a Filosofia não admite as provas morais que por vezes têm tanto ou mais valor que as outras? Vós, que não tomais por verdadeiro senão o que está provado materialmente, que diríeis se, sendo injustamente acusado de um crime cujas aparências fossem todas contra vós, como se vê com frequência na justiça, os juízes não levariam em consideração as provas morais que vos fossem favoráveis? Não seríeis o primeiro a invocá-las; a fazer valer sua preponderância sobre os efeitos puramente materiais, que podem iludir; a provar que os sentidos podem enganar o mais clarividente? Se, pois, admitis que as provas morais devem pesar na balança de um julgamento, não seríeis consequente convosco mesmo negando seu valor quando se trata de formar uma opinião sobre as coisas que, por sua natureza, não pertencem à materialidade.
O que há de mais livre, de mais independente, de menos perceptível por sua própria essência do que o pensamento? Entretanto, eis uma escola que pretende emancipá-lo, subjugando-o à matéria; que sustenta, em nome da razão, que o pensamento circunscrito sobre as coisas terrestres é mais livre do que aquele que se lança no infinito e quer ver além do horizonte material! Seria o mesmo que dizer que o prisioneiro que apenas pode dar alguns passos em sua cela é mais livre do que o que corre pelos campos. Se crer nas coisas do mundo espiritual, que é infinito, não é ser livre, vós o sois cem vezes menos, vós que vos circunscreveis no estreito limite do tangível, vós que dizeis ao pensamento: Não sairás do círculo que te traçamos, e se dele saíres, declaramos que não és mais um pensamento são, mas loucura, tolice, engano, porque só a nós cabe discernir o falso do verdadeiro.
A isto responde o espiritualismo: Nós formamos a imensa maioria dos homens, dos quais sois apenas a milionésima parte. Com que direito vos atribuís o monopólio da razão? Dizeis que quereis emancipar nossas ideias impondo-nos as vossas? Mas não nos ensinais nada; nós sabemos o que sabeis; cremos sem restrições em tudo o que credes: na matéria e no valor das provas tangíveis, e mais que vós: em algo fora da matéria; numa força inteligente superior à Humanidade; em causas inapreciáveis pelos sentidos, mas perceptíveis pelo pensamento; na perpetuidade da vida espiritual, que limitais à duração da vida do corpo. Nossas ideias são, pois, infinitamente mais amplas que as vossas; ao passo que circunscreveis vosso ponto de vista, o nosso abarca horizontes sem fronteiras. Como aquele que concentra o pensamento sobre uma determinada ordem de fatos, que assim põe um ponto de parada em seus movimentos intelectuais, em suas investigações, pode pretender emancipar aquele que se move sem entraves, e cujo pensamento sonda as profundezas do infinito? Restringir o campo de exploração do pensamento é restringir a liberdade, e é isto que fazeis.
Dizeis ainda que quereis arrancar o mundo do jugo das crenças dogmáticas. Fazeis, ao menos, uma distinção entre essas crenças? Não, porque confundis na mesma reprovação tudo quanto não é do domínio exclusivo da Ciência, tudo quanto não se vê pelos olhos do corpo, numa palavra, tudo quanto é de essência espiritual, por consequência Deus, a alma e a vida futura. Mas se toda crença espiritual é um entrave à liberdade de pensar, dá-se o mesmo com toda crença material. Aquele que acredita que uma coisa é vermelha, porque a vê vermelha, não é livre de julgá-la verde. Se o pensamento é detido por uma convicção qualquer, ele não é mais livre. Para ser consequente com a vossa teoria, a liberdade absoluta consistiria em não crer absolutamente em nada, nem mesmo em sua própria existência, porque isto seria ainda uma restrição. Mas, então, em que se tornaria o pensamento?
Encarado deste ponto de vista, o livre pensamento seria uma insensatez. Ele deve ser entendido num sentido mais amplo e mais verdadeiro, isto é, do livre uso que fazemos da faculdade de pensar, e não de sua aplicação a uma ordem qualquer de ideias. Ele consiste, não em crer numa coisa em vez de outra, nem em excluir tal ou qual crença, mas na liberdade absoluta de escolha das crenças. É, pois, abusivamente que alguns o aplicam exclusivamente às ideias antiespiritualistas. Toda opinião raciocinada, que não é imposta nem encadeada cegamente à de outrem, mas que é voluntariamente adotada em virtude do exercício do raciocínio pessoal, é um pensamento livre, quer seja religioso, quer político, quer filosófico.
Em sua concepção mais larga, o livre pensamento significa livre exame, liberdade de consciência, fé raciocinada. Ele simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da independência física; ele não quer mais nem escravos do pensamento nem do corpo, porque o que caracteriza o livre-pensador é que ele pensa por si mesmo e não pelos outros; em outros termos, sua opinião lhe é própria. Assim, pode haver livres-pensadores em todas as opiniões e em todas as crenças. Neste sentido, o livre pensamento eleva a dignidade do homem; dela faz um ser ativo e inteligente, em vez de uma máquina de crer.
No sentido exclusivo que alguns lhe dão, em vez de emancipar o espírito, ele restringe a sua atividade, escravizando-o à matéria. Os fanáticos da incredulidade fazem num sentido o que os fanáticos da fé cega fazem em outro. Enquanto estes dizem: Para ser segundo Deus é preciso crer em tudo o que cremos; fora da nossa fé não há salvação, os outros dizem: Para ser segundo a razão, é preciso pensar como nós e não acreditar senão em tudo o que nós acreditamos; fora dos limites que traçamos à crença não há liberdade nem bom-senso, doutrina que se formula por este paradoxo: Vosso espírito só é livre com a condição de não crer no que ele quer, o que significa dizer para o indivíduo: Tu és o mais livre de todos os homens, com a condição de não ir mais longe do que a ponta da corda a que te amarramos.
Certamente não negamos aos incrédulos o direito de não crerem em nada além da matéria, mas eles hão de convir que há contradições singulares na sua pretensão em atribuir-se o monopólio da liberdade de pensar.
Dissemos que pela qualidade de livre-pensador certas pessoas procuram atenuar o que a incredulidade absoluta tem de repulsivo para a opinião das massas. Suponhamos, com efeito, que um jornal se intitule abertamente: O Ateu, O Incrédulo, ou O Materialista. Podemos imaginar a impressão que este título deixaria no público. Mas, se ele abrigar essas mesmas doutrinas com a capa de Livre Pensador, diante desse rótulo, dirão: É a bandeira da emancipação moral; deve ser a da liberdade de consciência e sobretudo da tolerância; vejamos. Vemos que nem sempre é preciso reportar-se à etiqueta.
Aliás, seria erro amedrontar-se além da medida com as consequências de certas doutrinas. Momentaneamente podem seduzir certos indivíduos, mas nunca seduzirão as massas, que a elas se opõem por instinto e por necessidade. É útil que todos os sistemas venham à luz, para que cada um lhes possa julgar o lado forte e o fraco e, em virtude do direito de livre exame, possa adotá-los ou rejeitá-los com conhecimento de causa. Quando as utopias tiverem sido vistas em ação e quando tiverem provado sua impotência, elas cairão para não mais se erguer. Por seu próprio exagero, elas agitam a Sociedade e preparam a renovação. Também nisto está um sinal dos tempos.
O Espiritismo é, como pensam alguns, uma nova fé cega em substituição a outra fé cega? Em outras palavras, uma nova escravidão do pensamento sob uma nova forma? Para acreditar nisto é preciso ignorar os seus primeiros elementos. Com efeito, o Espiritismo estabelece como princípio que antes de crer é preciso compreender. Ora, para compreender é necessário usar o raciocínio, por isto ele procura apurar a causa de tudo antes de admitir qualquer coisa, a saber, o porquê e o como de cada coisa. Assim, os espíritas são mais céticos do que muitos outros, em relação aos fenômenos que escapam do círculo das observações habituais. Ele não repousa em nenhuma teoria preconcebida ou hipotética, mas na experiência e na observação dos fatos. Em vez de dizer: “Crede, para começar, e depois compreendereis, se puderdes”, ele diz: “Compreendei, para começar, e depois crereis, se quiserdes”. Ele não se impõe a ninguém, mas diz a todos: “Vede, observai, comparai e vinde a nós livremente, se vos convier.” Falando assim, ele entra no número dos concorrentes e disputa as chances com a concorrência. Se muitos vão a ele, é porque ele a muitos satisfaz, mas ninguém o aceita de olhos fechados. Àqueles que não o aceitam, ele diz: “Sois livres e não vos quero; tudo o que vos peço é que me deixeis minha liberdade, como vos deixo a vossa. Se procurais destruir-me, por medo de que vos suplante, é que não estais muito seguros de vós mesmos.”
Não procurando o Espiritismo afastar nenhum dos concorrentes da liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, está nas condições do verdadeiro livre pensamento; não admitindo nenhuma teoria que não seja fundada na observação, está, ao mesmo tempo, nas do mais rigoroso positivismo; ele tem, enfim, sobre seus adversários das duas extremadas opiniões contrárias, a vantagem da tolerância.
NOTA: Algumas pessoas nos censuraram as explicações teóricas que desde o princípio temos procurado dar dos fenômenos espíritas. Essas explicações, baseadas numa observação atenta, remontando dos efeitos às causas, provavam, por um lado, que queríamos perceber a causa, e não crer cegamente; por outro lado, que queríamos fazer do Espiritismo uma ciência de raciocínio e não de credulidade. Por estas explicações que o tempo desenvolveu, mas que ele consagrou como princípio, porque nenhuma foi contraditada pela experiência, os espíritas creram porque compreenderam e não há dúvida de que é a isto que se deve atribuir o aumento rápido do número de adeptos sérios. É a estas explicações que o Espiritismo deve o fato de ter saído do domínio do maravilhoso, e de se ter ligado às ciências positivas. Por elas é demonstrado aos incrédulos que isto não é uma obra da imaginação. Sem elas ainda estaríamos por compreender os fenômenos que surgem a cada dia. Era urgente, desde o princípio, estabelecer o Espiritismo no seu verdadeiro terreno. A teoria fundamentada na experiência foi o freio que impediu a credulidade supersticiosa, tanto quanto a malevolência, de desviá-lo de sua rota. Por que aqueles que nos censuram por ter tomado esta iniciativa, não a tomaram eles próprios?
“As questões de origem e de fim até aqui preocuparam a Humanidade a ponto de, por vezes, perturbar-lhe a razão. Esses problemas, que foram classificados de temíveis, e que julgamos de importância secundária, não são do domínio imediato da Ciência. Sua solução científica não pode oferecer senão meia certeza. Tal qual é, entretanto, ela nos basta, e não tentaremos completá-la por argúcias metafísicas. Ademais, nosso objetivo é nos ocuparmos apenas de assuntos abordáveis pela observação. Pretendemos ficar com os pés no chão. Se por vezes dele nos afastamos para responder aos ataques dos que não pensam como nós, a excursão fora do real será de curta duração. Teremos sempre presente à lembrança este sábio conselho de Helvetius: “É preciso ter coragem de ignorar o que não podemos saber.”
“Um novo jornal, o Libre Conscience, nosso irmão alguns dias mais velho, como faz notar, deseja-nos boas-vindas em seu primeiro número. Nós agradecemos pela maneira cortês como usou o seu direito de primogenitura. Nosso confrade pensa que, malgrado a analogia dos títulos, não estaremos sempre em ‘completa afinidade de ideias.’ Após a leitura de seu primeiro número estamos certos disso; também não compreendemos a livre consciência nem o livre pensamento com um limite dogmático previamente estabelecido. Quando alguém claramente se declara discípulo da Ciência e campeão da livre consciência, é irracional, em nossa opinião, se em seguida considera como dogma uma crença qualquer, impossível de ser comprovada cientificamente. A liberdade assim limitada não é a liberdade. Por nossa vez, damos as boas-vindas ao Libre Conscience e estamos dispostos a ver nele um aliado, pois declara o desejo de combater em favor de todas as liberdades... menos uma.”
É estranho ver a origem e o fim da Humanidade serem considerados como questões secundárias, próprias para perturbar a razão. Que dizer de um homem que, ganhando apenas o necessário para seu sustento, não se inquietasse com o dia de amanhã? Passaria por um homem sensato? O que pensaríamos daquele que, tendo uma mulher, filhos, amigos, dissesse: Pouco me importa se amanhã eles estarão vivos ou mortos! Ora, o amanhã da morte é longo, portanto, não há por que admirar-se que tanta gente com ele se preocupe.
Se fizermos a estatística de todos os que perdem a razão, veremos que o maior número está precisamente do lado daquele que não crê nesse amanhã, ou que dele duvida, e isto pela razão muito simples que a grande maioria dos casos de loucura é produzida belo desespero e pela falta de coragem moral que faz suportar as misérias da vida, ao passo que a certeza desse amanhã torna menos amargas as vicissitudes do presente, e os faz considerá-las como incidentes passageiros, motivo pelo qual o moral não se afeta senão mediocremente ou não se afeta. Sua confiança no futuro lhes dá uma força que jamais terá aquele que tem apenas o nada como perspectiva. Ele está na posição de um homem que, arruinado hoje, tem a certeza de ter amanhã uma fortuna superior à que acaba de perder. Neste caso, ele facilmente toma uma decisão e fica calmo. Se, ao contrário, nada espera, ele se desespera e sua razão pode sofrer com isso.
Ninguém contestará que saber diariamente de onde viemos e para onde vamos, o que fizemos na véspera e o que faremos amanhã não seja uma coisa necessária para regular os negócios diários da vida, e que isso não influa na conduta pessoal. Seguramente o soldado que sabe para onde o conduzem, que vê o seu objetivo, marcha com mais firmeza, com mais disposição, com mais entusiasmo do que se o conduzissem às cegas. Assim é com as pequenas e com as grandes coisas, com os indivíduos e com os grupos. Saber de onde se vem e para onde se vai não é menos necessário para regrar os negócios de vida coletiva da Humanidade. No dia em que a Humanidade inteira tivesse a certeza de que a morte era certa, veríamos uma confusão geral e os homens se atirando uns contra os outros, dizendo: Se temos que viver apenas um dia, vivamos o melhor possível, não importa às custas de quem!
O jornal Libre Pensée declara que pretende manter os pés no chão, e se dele eventualmente se afastar, será para refutar os que não pensam como ele, mas que suas excursões fora da realidade terão curta duração. Compreenderíamos que assim fosse com um jornal exclusivamente científico, tratando de matérias especiais. É evidente que seria intempestivo falar de espiritualidade, de Psicologia ou de Teologia a propósito de Mecânica, de Química, de Física, de cálculos matemáticos, do comércio ou da indústria; mas, como ele inclui a Filosofia em seu programa, não poderia cumpri-lo sem abordar questões metafísicas. Embora a palavra filosofia seja muito elástica e tenha sido singularmente desviada de sua acepção etimológica, ela implica, por sua própria essência, pesquisas e estudos que não são exclusivamente materiais.
O conselho de Helvetius: “É preciso ter coragem de ignorar o que não podemos saber” é muito sábio e se dirige sobretudo aos sábios presunçosos que pensam que nada pode ser oculto ao homem, e que o que eles não sabem ou não compreendem não deve existir. Entretanto, seria mais justo dizer: “É preciso ter coragem de confessar a própria ignorância sobre aquilo que não se sabe.” Tal qual está formulado, poder-se-ia traduzi-lo assim: “É preciso ter a coragem de conservar a sua ignorância,” de onde esta consequência: “É inútil procurar saber o que não sabemos.” Sem dúvida há coisas que o homem jamais saberá, enquanto estiver na Terra, porque, por maior que seja a sua presunção, a Humanidade aqui está ainda no estado de adolescência. Mas quem ousaria traçar limites absolutos ao que ele pode saber? Considerando-se que ele sabe hoje infinitamente mais que os homens dos tempos primitivos, por que, mais tarde, não poderia saber mais do que sabe agora? É o que não podem compreender os que não admitem a perpetuidade e a perfectibilidade do ser espiritual. Muitos dizem para si mesmos: Estou no topo da escada intelectual; o que não vejo e não compreendo, ninguém pode ver e compreender.
No parágrafo acima, relativo ao jornal Libre Conscience, diz ele: “Também não compreendemos a livre consciência senão como o livre pensamento com um limite dogmático previamente estabelecido. Quando claramente nos declaramos discípulos da Ciência, é irracional estabelecer como um dogma uma crença qualquer impossível de ser cientificamente comprovada. A liberdade assim limitada não é a liberdade.”
Toda a doutrina está nestas palavras; a profissão de fé é clara e categórica. Assim, porque Deus não pode ser demonstrado por uma equação algébrica e a alma não é perceptível com o auxílio de um reativo, é absurdo crer em Deus e na alma. Todo discípulo da Ciência deve, pois, ser ateu e materialista. Mas, para não sair da materialidade, a Ciência é sempre infalível em suas demonstrações? Não a vimos tantas vezes dar como verdades o que mais tarde foi reconhecido como erro, e vice-versa? Não foi em nome da Ciência que o sistema de Fulton foi declarado uma quimera? Antes de se conhecer a lei da gravitação, não demonstrou ela cientificamente que não podia haver antípodas? Antes de conhecer a de eletricidade, ela não demonstrou por a + b que não existia velocidade capaz de transmitir um telegrama a quinhentas léguas em alguns minutos?
Muitas experiências haviam sido feitas com a luz, contudo, ainda há poucos anos, quem teria imaginado os prodígios da fotografia? Entretanto, não foram os cientistas oficiais que fizeram essa prodigiosa descoberta, nem as do telégrafo elétrico e da máquina a vapor. Em nossos dias, conhece a Ciência todas as leis da Natureza? Só ela sabe todos os recursos que podem ser tirados das leis conhecidas? Quem ousaria dizê-lo? Não é possível que um dia o conhecimento de novas leis torne a vida extracorpórea tão evidente, tão racional, tão inteligível quanto a dos antípodas? Um tal resultado, cortando cerce todas as incertezas, seria então para desdenhar? Seria menos importante para a Humanidade que a descoberta de um novo continente, de um novo planeta, de um novo engenho de destruição? Pois bem! Esta hipótese tornou-se realidade; é ao Espiritismo que a devemos, e é graças a ele que tanta gente que acreditava morrer uma só vez e para sempre, agora está certa de viver para sempre.
Falamos da força de gravitação, dessa força que rege o Universo, desde o grão de areia até os mundos. Mas, quem a viu? Quem pôde segui-la e analisá-la? Em que consiste ela? Qual a sua natureza e a sua causa primeira? Ninguém sabe, contudo, ninguém hoje dela duvida. Como a reconheceram? Por seus efeitos; dos efeitos concluíram a causa. Fizeram mais: calculando a força dos efeitos, calculou-se a força da causa, que jamais foi vista. Dá-se o mesmo com Deus e com a vida espiritual, que julgamos por seus efeitos, conforme o axioma: “Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. A força da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.” Crer em Deus e na vida espiritual não é, pois, uma crença puramente gratuita, mas um resultado de observações tão positivas quanto as que nos permitiram crer na força da gravitação.
Depois, na falta de provas materiais, ou concorrentes a estas, a Filosofia não admite as provas morais que por vezes têm tanto ou mais valor que as outras? Vós, que não tomais por verdadeiro senão o que está provado materialmente, que diríeis se, sendo injustamente acusado de um crime cujas aparências fossem todas contra vós, como se vê com frequência na justiça, os juízes não levariam em consideração as provas morais que vos fossem favoráveis? Não seríeis o primeiro a invocá-las; a fazer valer sua preponderância sobre os efeitos puramente materiais, que podem iludir; a provar que os sentidos podem enganar o mais clarividente? Se, pois, admitis que as provas morais devem pesar na balança de um julgamento, não seríeis consequente convosco mesmo negando seu valor quando se trata de formar uma opinião sobre as coisas que, por sua natureza, não pertencem à materialidade.
O que há de mais livre, de mais independente, de menos perceptível por sua própria essência do que o pensamento? Entretanto, eis uma escola que pretende emancipá-lo, subjugando-o à matéria; que sustenta, em nome da razão, que o pensamento circunscrito sobre as coisas terrestres é mais livre do que aquele que se lança no infinito e quer ver além do horizonte material! Seria o mesmo que dizer que o prisioneiro que apenas pode dar alguns passos em sua cela é mais livre do que o que corre pelos campos. Se crer nas coisas do mundo espiritual, que é infinito, não é ser livre, vós o sois cem vezes menos, vós que vos circunscreveis no estreito limite do tangível, vós que dizeis ao pensamento: Não sairás do círculo que te traçamos, e se dele saíres, declaramos que não és mais um pensamento são, mas loucura, tolice, engano, porque só a nós cabe discernir o falso do verdadeiro.
A isto responde o espiritualismo: Nós formamos a imensa maioria dos homens, dos quais sois apenas a milionésima parte. Com que direito vos atribuís o monopólio da razão? Dizeis que quereis emancipar nossas ideias impondo-nos as vossas? Mas não nos ensinais nada; nós sabemos o que sabeis; cremos sem restrições em tudo o que credes: na matéria e no valor das provas tangíveis, e mais que vós: em algo fora da matéria; numa força inteligente superior à Humanidade; em causas inapreciáveis pelos sentidos, mas perceptíveis pelo pensamento; na perpetuidade da vida espiritual, que limitais à duração da vida do corpo. Nossas ideias são, pois, infinitamente mais amplas que as vossas; ao passo que circunscreveis vosso ponto de vista, o nosso abarca horizontes sem fronteiras. Como aquele que concentra o pensamento sobre uma determinada ordem de fatos, que assim põe um ponto de parada em seus movimentos intelectuais, em suas investigações, pode pretender emancipar aquele que se move sem entraves, e cujo pensamento sonda as profundezas do infinito? Restringir o campo de exploração do pensamento é restringir a liberdade, e é isto que fazeis.
Dizeis ainda que quereis arrancar o mundo do jugo das crenças dogmáticas. Fazeis, ao menos, uma distinção entre essas crenças? Não, porque confundis na mesma reprovação tudo quanto não é do domínio exclusivo da Ciência, tudo quanto não se vê pelos olhos do corpo, numa palavra, tudo quanto é de essência espiritual, por consequência Deus, a alma e a vida futura. Mas se toda crença espiritual é um entrave à liberdade de pensar, dá-se o mesmo com toda crença material. Aquele que acredita que uma coisa é vermelha, porque a vê vermelha, não é livre de julgá-la verde. Se o pensamento é detido por uma convicção qualquer, ele não é mais livre. Para ser consequente com a vossa teoria, a liberdade absoluta consistiria em não crer absolutamente em nada, nem mesmo em sua própria existência, porque isto seria ainda uma restrição. Mas, então, em que se tornaria o pensamento?
Encarado deste ponto de vista, o livre pensamento seria uma insensatez. Ele deve ser entendido num sentido mais amplo e mais verdadeiro, isto é, do livre uso que fazemos da faculdade de pensar, e não de sua aplicação a uma ordem qualquer de ideias. Ele consiste, não em crer numa coisa em vez de outra, nem em excluir tal ou qual crença, mas na liberdade absoluta de escolha das crenças. É, pois, abusivamente que alguns o aplicam exclusivamente às ideias antiespiritualistas. Toda opinião raciocinada, que não é imposta nem encadeada cegamente à de outrem, mas que é voluntariamente adotada em virtude do exercício do raciocínio pessoal, é um pensamento livre, quer seja religioso, quer político, quer filosófico.
Em sua concepção mais larga, o livre pensamento significa livre exame, liberdade de consciência, fé raciocinada. Ele simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da independência física; ele não quer mais nem escravos do pensamento nem do corpo, porque o que caracteriza o livre-pensador é que ele pensa por si mesmo e não pelos outros; em outros termos, sua opinião lhe é própria. Assim, pode haver livres-pensadores em todas as opiniões e em todas as crenças. Neste sentido, o livre pensamento eleva a dignidade do homem; dela faz um ser ativo e inteligente, em vez de uma máquina de crer.
No sentido exclusivo que alguns lhe dão, em vez de emancipar o espírito, ele restringe a sua atividade, escravizando-o à matéria. Os fanáticos da incredulidade fazem num sentido o que os fanáticos da fé cega fazem em outro. Enquanto estes dizem: Para ser segundo Deus é preciso crer em tudo o que cremos; fora da nossa fé não há salvação, os outros dizem: Para ser segundo a razão, é preciso pensar como nós e não acreditar senão em tudo o que nós acreditamos; fora dos limites que traçamos à crença não há liberdade nem bom-senso, doutrina que se formula por este paradoxo: Vosso espírito só é livre com a condição de não crer no que ele quer, o que significa dizer para o indivíduo: Tu és o mais livre de todos os homens, com a condição de não ir mais longe do que a ponta da corda a que te amarramos.
Certamente não negamos aos incrédulos o direito de não crerem em nada além da matéria, mas eles hão de convir que há contradições singulares na sua pretensão em atribuir-se o monopólio da liberdade de pensar.
Dissemos que pela qualidade de livre-pensador certas pessoas procuram atenuar o que a incredulidade absoluta tem de repulsivo para a opinião das massas. Suponhamos, com efeito, que um jornal se intitule abertamente: O Ateu, O Incrédulo, ou O Materialista. Podemos imaginar a impressão que este título deixaria no público. Mas, se ele abrigar essas mesmas doutrinas com a capa de Livre Pensador, diante desse rótulo, dirão: É a bandeira da emancipação moral; deve ser a da liberdade de consciência e sobretudo da tolerância; vejamos. Vemos que nem sempre é preciso reportar-se à etiqueta.
Aliás, seria erro amedrontar-se além da medida com as consequências de certas doutrinas. Momentaneamente podem seduzir certos indivíduos, mas nunca seduzirão as massas, que a elas se opõem por instinto e por necessidade. É útil que todos os sistemas venham à luz, para que cada um lhes possa julgar o lado forte e o fraco e, em virtude do direito de livre exame, possa adotá-los ou rejeitá-los com conhecimento de causa. Quando as utopias tiverem sido vistas em ação e quando tiverem provado sua impotência, elas cairão para não mais se erguer. Por seu próprio exagero, elas agitam a Sociedade e preparam a renovação. Também nisto está um sinal dos tempos.
O Espiritismo é, como pensam alguns, uma nova fé cega em substituição a outra fé cega? Em outras palavras, uma nova escravidão do pensamento sob uma nova forma? Para acreditar nisto é preciso ignorar os seus primeiros elementos. Com efeito, o Espiritismo estabelece como princípio que antes de crer é preciso compreender. Ora, para compreender é necessário usar o raciocínio, por isto ele procura apurar a causa de tudo antes de admitir qualquer coisa, a saber, o porquê e o como de cada coisa. Assim, os espíritas são mais céticos do que muitos outros, em relação aos fenômenos que escapam do círculo das observações habituais. Ele não repousa em nenhuma teoria preconcebida ou hipotética, mas na experiência e na observação dos fatos. Em vez de dizer: “Crede, para começar, e depois compreendereis, se puderdes”, ele diz: “Compreendei, para começar, e depois crereis, se quiserdes”. Ele não se impõe a ninguém, mas diz a todos: “Vede, observai, comparai e vinde a nós livremente, se vos convier.” Falando assim, ele entra no número dos concorrentes e disputa as chances com a concorrência. Se muitos vão a ele, é porque ele a muitos satisfaz, mas ninguém o aceita de olhos fechados. Àqueles que não o aceitam, ele diz: “Sois livres e não vos quero; tudo o que vos peço é que me deixeis minha liberdade, como vos deixo a vossa. Se procurais destruir-me, por medo de que vos suplante, é que não estais muito seguros de vós mesmos.”
Não procurando o Espiritismo afastar nenhum dos concorrentes da liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, está nas condições do verdadeiro livre pensamento; não admitindo nenhuma teoria que não seja fundada na observação, está, ao mesmo tempo, nas do mais rigoroso positivismo; ele tem, enfim, sobre seus adversários das duas extremadas opiniões contrárias, a vantagem da tolerância.
NOTA: Algumas pessoas nos censuraram as explicações teóricas que desde o princípio temos procurado dar dos fenômenos espíritas. Essas explicações, baseadas numa observação atenta, remontando dos efeitos às causas, provavam, por um lado, que queríamos perceber a causa, e não crer cegamente; por outro lado, que queríamos fazer do Espiritismo uma ciência de raciocínio e não de credulidade. Por estas explicações que o tempo desenvolveu, mas que ele consagrou como princípio, porque nenhuma foi contraditada pela experiência, os espíritas creram porque compreenderam e não há dúvida de que é a isto que se deve atribuir o aumento rápido do número de adeptos sérios. É a estas explicações que o Espiritismo deve o fato de ter saído do domínio do maravilhoso, e de se ter ligado às ciências positivas. Por elas é demonstrado aos incrédulos que isto não é uma obra da imaginação. Sem elas ainda estaríamos por compreender os fenômenos que surgem a cada dia. Era urgente, desde o princípio, estabelecer o Espiritismo no seu verdadeiro terreno. A teoria fundamentada na experiência foi o freio que impediu a credulidade supersticiosa, tanto quanto a malevolência, de desviá-lo de sua rota. Por que aqueles que nos censuram por ter tomado esta iniciativa, não a tomaram eles próprios?
Sob este titulo, o Sr. Hippolyte Rodrigues publicou uma obra, na qual prevê a fusão das três grandes religiões saídas da Bíblia. Um dos escritores do jornal le Pays faz a respeito as reflexões seguintes, no número de 10 de dezembro de 1866:
“Quais são as três filhas da Bíblia? A primeira é judia, a segunda é católica, a terceira é maometana.
“Compreende-se logo que se trata de um livro sério e que a obra do Sr. Hippolyte Rodrigues interessa especialmente os espíritos sérios, que se comprazem nas meditações morais e filosóficas sobre o destino humano.
“O autor crê numa próxima fusão das três grandes religiões, que chama as três filhas da Bíblia, e trabalha para conduzir a este resultado, no qual vê um progresso imenso. E desta fusão que sairá a religião nova, que ele considera como devendo ser a religião definitiva da humanidade.
“Não quero aqui entabular com o Sr. Hippolyte Rodrigues uma polêmica inoportuna sobre a questão religiosa, que se agita desde tantos anos, no fundo das consciências e nas entranhas da sociedade. Permitir-me-ei, entretanto, uma reflexão. Até hoje não há senão a fé que tenha fundado e mantido as religiões, por esta razão suprema que, quando se raciocina, não se crê mais, e que quando um povo, uma época cessou de crer, em breve se vê desmoronar-se a religião existente, não se vê surgir uma religião nova.”
A. de Cesena.
Essa tendência, que se generaliza, de prever a unificação dos cultos, como tudo o que se liga à fusão dos povos, ao nivelamento das barreiras que os separam moralmente e comercialmente, é também um dos sinais característicos dos tempos. Não julgaremos a obra do Sr. Rodrigues, por quais circunstancias poderá ser atingido o resultado que ele espera, e que considera, a justo titulo, como um progresso. Queremos apenas apresentar algumas observações sobre o artigo acima.
O autor comete um grande erro quando diz que “quando se raciocina não se crê mais” Nós dizemos, ao contrário, que quando se raciocina sua crença, crê-se mais firmemente, porque se compreende; é em virtude deste principio que dissemos: Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade.
O erro da parte das religiões é ter erigido um dogma absoluto o princípio da fé cega, e ter, em favor deste princípio, que anula a ação da inteligência, feito aceitar, durante algum tempo, crenças que os ulteriores progressos da ciência vieram contradizer. Disto resultou, em grande número de pessoas, essa prevenção que qualquer crença religiosa não pode suportar o livre exame, confundindo, numa reprovação geral, o que não passa de casos particulares. Esta maneira de julgar as coisas não é mais racional do que se se condenasse todo um poema, porque encerra alguns versos incorretos, mas é mais cômoda para os que em nada querem crer porque, rejeitando tudo se julgam livres para nada examinar.
O autor comete um outro erro capital quando diz: “quando um povo, uma época cessou de crer, em breve se vê desmoronar-se a religião existente, não se vê surgir uma religião nova.” Onde viu ele na história, um povo, uma época sem religião?
A maior parte das religiões surgiram em tempos remotos, em que os conhecimentos científicos eram muito limitados ou nulos. Erigiram em crença noções erradas, que só o tempo podia retificar. Infelizmente todas se fundaram no princípio da imutabilidade, e como quase todas confundiram, num mesmo código, a lei civil e a lei religiosa, disso resultou que, num dado momento, tendo avançado o espírito humano, ao passo que as religiões ficaram estacionárias, estas não mais se encontraram à altura das ideias novas. Então caem pela força das coisas, como caem as leis, os costumes sociais, os sistemas políticos que não podem corresponder às necessidades novas. Mas como as crenças religiosas são instintivas no homem e constituem, para o coração e para o espírito uma necessidade tão imperiosa quanto a legislação civil para a ordem social, não se anulam: transformam-se.
A transição jamais se opera de maneira brusca, mas pela mistura temporária de ideias antigas com ideias novas; é, a princípio uma fé mista, que participa de umas e outras; pouco a pouco a velha crença se extingue, a nova cresce, até que a substituição seja completa. Por vezes a transformação é apenas parcial; então são seitas que se separam da religião mãe, modificando pontas de detalhe. Foi assim que o Cristianismo sucedeu ao paganismo, que o Islamismo sucedeu ao Fetichismo árabe, que o Protestantismo, a religião grega se separaram do Catolicismo. Por toda a parte vêem-se os povos não deixar uma crença senão para seguir outra, adequada ao seu adiantamento moral e intelectual: mas em parte alguma há solução de continuidade. E verdade que hoje se vê a incredulidade absoluta erigida em doutrina e professada por algumas seitas filosóficas. Mas seus representantes, ínfima minoria na população inteligente, cometem o erro de se julgarem todo um povo, toda uma época e, porque não querem mais religião, imaginam que sua opinião pessoal é o termo dos tempos religiosos, quando não passa de transição parcial a outra ordem de ideias.
“Quais são as três filhas da Bíblia? A primeira é judia, a segunda é católica, a terceira é maometana.
“Compreende-se logo que se trata de um livro sério e que a obra do Sr. Hippolyte Rodrigues interessa especialmente os espíritos sérios, que se comprazem nas meditações morais e filosóficas sobre o destino humano.
“O autor crê numa próxima fusão das três grandes religiões, que chama as três filhas da Bíblia, e trabalha para conduzir a este resultado, no qual vê um progresso imenso. E desta fusão que sairá a religião nova, que ele considera como devendo ser a religião definitiva da humanidade.
“Não quero aqui entabular com o Sr. Hippolyte Rodrigues uma polêmica inoportuna sobre a questão religiosa, que se agita desde tantos anos, no fundo das consciências e nas entranhas da sociedade. Permitir-me-ei, entretanto, uma reflexão. Até hoje não há senão a fé que tenha fundado e mantido as religiões, por esta razão suprema que, quando se raciocina, não se crê mais, e que quando um povo, uma época cessou de crer, em breve se vê desmoronar-se a religião existente, não se vê surgir uma religião nova.”
A. de Cesena.
Essa tendência, que se generaliza, de prever a unificação dos cultos, como tudo o que se liga à fusão dos povos, ao nivelamento das barreiras que os separam moralmente e comercialmente, é também um dos sinais característicos dos tempos. Não julgaremos a obra do Sr. Rodrigues, por quais circunstancias poderá ser atingido o resultado que ele espera, e que considera, a justo titulo, como um progresso. Queremos apenas apresentar algumas observações sobre o artigo acima.
O autor comete um grande erro quando diz que “quando se raciocina não se crê mais” Nós dizemos, ao contrário, que quando se raciocina sua crença, crê-se mais firmemente, porque se compreende; é em virtude deste principio que dissemos: Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade.
O erro da parte das religiões é ter erigido um dogma absoluto o princípio da fé cega, e ter, em favor deste princípio, que anula a ação da inteligência, feito aceitar, durante algum tempo, crenças que os ulteriores progressos da ciência vieram contradizer. Disto resultou, em grande número de pessoas, essa prevenção que qualquer crença religiosa não pode suportar o livre exame, confundindo, numa reprovação geral, o que não passa de casos particulares. Esta maneira de julgar as coisas não é mais racional do que se se condenasse todo um poema, porque encerra alguns versos incorretos, mas é mais cômoda para os que em nada querem crer porque, rejeitando tudo se julgam livres para nada examinar.
O autor comete um outro erro capital quando diz: “quando um povo, uma época cessou de crer, em breve se vê desmoronar-se a religião existente, não se vê surgir uma religião nova.” Onde viu ele na história, um povo, uma época sem religião?
A maior parte das religiões surgiram em tempos remotos, em que os conhecimentos científicos eram muito limitados ou nulos. Erigiram em crença noções erradas, que só o tempo podia retificar. Infelizmente todas se fundaram no princípio da imutabilidade, e como quase todas confundiram, num mesmo código, a lei civil e a lei religiosa, disso resultou que, num dado momento, tendo avançado o espírito humano, ao passo que as religiões ficaram estacionárias, estas não mais se encontraram à altura das ideias novas. Então caem pela força das coisas, como caem as leis, os costumes sociais, os sistemas políticos que não podem corresponder às necessidades novas. Mas como as crenças religiosas são instintivas no homem e constituem, para o coração e para o espírito uma necessidade tão imperiosa quanto a legislação civil para a ordem social, não se anulam: transformam-se.
A transição jamais se opera de maneira brusca, mas pela mistura temporária de ideias antigas com ideias novas; é, a princípio uma fé mista, que participa de umas e outras; pouco a pouco a velha crença se extingue, a nova cresce, até que a substituição seja completa. Por vezes a transformação é apenas parcial; então são seitas que se separam da religião mãe, modificando pontas de detalhe. Foi assim que o Cristianismo sucedeu ao paganismo, que o Islamismo sucedeu ao Fetichismo árabe, que o Protestantismo, a religião grega se separaram do Catolicismo. Por toda a parte vêem-se os povos não deixar uma crença senão para seguir outra, adequada ao seu adiantamento moral e intelectual: mas em parte alguma há solução de continuidade. E verdade que hoje se vê a incredulidade absoluta erigida em doutrina e professada por algumas seitas filosóficas. Mas seus representantes, ínfima minoria na população inteligente, cometem o erro de se julgarem todo um povo, toda uma época e, porque não querem mais religião, imaginam que sua opinião pessoal é o termo dos tempos religiosos, quando não passa de transição parcial a outra ordem de ideias.
Lacordaire e as mesas girantes
Extrato de uma carta do abade Lacordaire à Sra. Swetchine, datada de Flavigny, 29 de junho de 1853, tirada de sua correspondência publicada em 1865.
“Vistes girar e ouvistes falar das mesas? ─ Desdenhei vê-las girar, como uma coisa muito simples, mas ouvi e fiz que elas falassem. Elas me disseram coisas muito admiráveis sobre o passado e sobre o presente. Por mais extraordinário que isto seja, é para um cristão que acredita nos Espíritos um fenômeno muito vulgar e muito pobre. Em todos os tempos houve modos mais ou menos bizarros para se comunicar com os Espíritos; apenas outrora se fazia mistério desses processos, como se fazia mistério da Química. A Justiça, por meio de execuções terríveis, enterrava essas estranhas práticas na sombra. Hoje, graças à liberdade dos cultos e à publicidade universal, o que era um segredo tornou-se uma fórmula popular. Talvez, também, por essa divulgação, Deus queira harmonizar o desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças materiais, para que o homem não esqueça, em presença das maravilhas da mecânica, que há dois mundos inseridos um no outro: o mundo dos corpos e o mundo dos Espíritos.
“É provável que esse desenvolvimento paralelo continue crescendo até o fim do mundo, o que trará um dia o reino do Anticristo, onde se verá, de um lado e do outro, para o bem e para o mal, o emprego de armas sobrenaturais e prodígios pavorosos. Disto não concluo que o Anticristo esteja próximo, porque as operações que testemunhamos nada têm, salvo a publicidade, de mais extraordinário do que o que se via outrora. Os pobres incrédulos devem estar bastante inquietos com sua razão, mas eles têm o recurso de acreditar em tudo para fugir da verdadeira fé, e não falharão. Ó profundeza dos desígnios de Deus!”
O abade Lacordaire escrevia isto em 1853, isto é, quase no começo das manifestações, numa época em que esses fenômenos eram muito mais um objeto de curiosidade do que assunto de meditações sérias. Embora nessa época eles não se tivessem constituído em ciência nem em corpo de doutrina, ele tinha entrevisto sua importância e, longe de considerá-los como uma coisa efêmera, previa o seu desenvolvimento no futuro. Sua opinião sobre a existência e a manifestação dos Espíritos é categórica. Ora, como ele é tido, geralmente, por todo mundo, como uma das altas inteligências deste século, parece difícil colocá-lo entre os loucos, depois de havê-lo aplaudido como homem de grande senso e de progresso. Pode-se, portanto, ter senso comum e crer nos Espíritos.
Diz ele que as mesas falantes são “um fenômeno muito vulgar e muito pobre”; bem pobre, com efeito, quanto à maneira de comunicar-se com os Espíritos, porque se não se tivessem tido outros, o Espiritismo quase não teria avançado; então conheciam-se apenas os médiuns escreventes e não se suspeitava o que iria sair desse meio aparentemente tão pueril. Quanto ao reino do Anticristo, Lacordaire parece não se amedrontar muito, porque não o vê chegar tão depressa. Para ele, essas manifestações são providenciais; elas devem perturbar e confundir os incrédulos; nelas ele admira a profundeza dos desígnios de Deus; elas não são, pois, obra do diabo, que deve estimular a renegar Deus e não a reconhecer o seu poder.
O trecho acima, da correspondência de Lacordaire, foi lido na Sociedade de Paris, na sessão de 18 de janeiro; nessa mesma sessão o Sr. Morin, um de seus médiuns escreventes habituais, adormeceu espontaneamente sob a ação magnética dos Espíritos; era a terceira vez que nele se produzia esse fenômeno, pois habitualmente só adormece pela magnetização ordinária. Em seu sono ele falou sobre vários assuntos e de diversos Espíritos presentes, cujo pensamento nos transmitiu. Entre outras coisas disse o seguinte:
“Um Espírito que todos conheceis, e que também reconheço; um Espírito de grande reputação terrena, elevado na escala intelectual dos mundos, está aqui. Espírita antes do Espiritismo, eu o vi ensinando a doutrina, não mais como encarnado, mas como Espírito. Vi-o pregando com a mesma eloquência, com o mesmo sentimento de convicção íntima que quando vivo, o que não teria ousado pregar abertamente do púlpito, mas aquilo a que conduziam os seus ensinamentos. Vi-o pregar a doutrina aos seus, à sua família, a todos os seus amigos. Vi-o desesperar-se, embora em estado espiritual, quando encontrava um cérebro refratário ou uma resistência obstinada às inspirações que ele insuflava, sempre vivo e petulante, querendo fazer penetrar a convicção nas inteligências, como se faz penetrar na rocha viva o buril impulsionado por vigorosa martelada. Mas este não entra tão depressa; contudo, sua eloquência converteu vários. Este Espírito é o do abade Lacordaire.
“Ele pede uma coisa, não por orgulho, por um interesse pessoal qualquer, mas no interesse de todos e para o bem da Doutrina: a inserção na Revista do que ele escreveu há treze anos. Se peço tal inserção, diz ele, é por dois motivos: o primeiro porque mostrareis ao mundo que, como dizeis, pode-se não ser tolo e crer nos Espíritos, e o segundo é que a publicação dessa primeira citação permitirá que se descubram em meus escritos outras passagens que serão consideradas como concordes com os princípios do Espiritismo”.
“Vistes girar e ouvistes falar das mesas? ─ Desdenhei vê-las girar, como uma coisa muito simples, mas ouvi e fiz que elas falassem. Elas me disseram coisas muito admiráveis sobre o passado e sobre o presente. Por mais extraordinário que isto seja, é para um cristão que acredita nos Espíritos um fenômeno muito vulgar e muito pobre. Em todos os tempos houve modos mais ou menos bizarros para se comunicar com os Espíritos; apenas outrora se fazia mistério desses processos, como se fazia mistério da Química. A Justiça, por meio de execuções terríveis, enterrava essas estranhas práticas na sombra. Hoje, graças à liberdade dos cultos e à publicidade universal, o que era um segredo tornou-se uma fórmula popular. Talvez, também, por essa divulgação, Deus queira harmonizar o desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças materiais, para que o homem não esqueça, em presença das maravilhas da mecânica, que há dois mundos inseridos um no outro: o mundo dos corpos e o mundo dos Espíritos.
“É provável que esse desenvolvimento paralelo continue crescendo até o fim do mundo, o que trará um dia o reino do Anticristo, onde se verá, de um lado e do outro, para o bem e para o mal, o emprego de armas sobrenaturais e prodígios pavorosos. Disto não concluo que o Anticristo esteja próximo, porque as operações que testemunhamos nada têm, salvo a publicidade, de mais extraordinário do que o que se via outrora. Os pobres incrédulos devem estar bastante inquietos com sua razão, mas eles têm o recurso de acreditar em tudo para fugir da verdadeira fé, e não falharão. Ó profundeza dos desígnios de Deus!”
O abade Lacordaire escrevia isto em 1853, isto é, quase no começo das manifestações, numa época em que esses fenômenos eram muito mais um objeto de curiosidade do que assunto de meditações sérias. Embora nessa época eles não se tivessem constituído em ciência nem em corpo de doutrina, ele tinha entrevisto sua importância e, longe de considerá-los como uma coisa efêmera, previa o seu desenvolvimento no futuro. Sua opinião sobre a existência e a manifestação dos Espíritos é categórica. Ora, como ele é tido, geralmente, por todo mundo, como uma das altas inteligências deste século, parece difícil colocá-lo entre os loucos, depois de havê-lo aplaudido como homem de grande senso e de progresso. Pode-se, portanto, ter senso comum e crer nos Espíritos.
Diz ele que as mesas falantes são “um fenômeno muito vulgar e muito pobre”; bem pobre, com efeito, quanto à maneira de comunicar-se com os Espíritos, porque se não se tivessem tido outros, o Espiritismo quase não teria avançado; então conheciam-se apenas os médiuns escreventes e não se suspeitava o que iria sair desse meio aparentemente tão pueril. Quanto ao reino do Anticristo, Lacordaire parece não se amedrontar muito, porque não o vê chegar tão depressa. Para ele, essas manifestações são providenciais; elas devem perturbar e confundir os incrédulos; nelas ele admira a profundeza dos desígnios de Deus; elas não são, pois, obra do diabo, que deve estimular a renegar Deus e não a reconhecer o seu poder.
O trecho acima, da correspondência de Lacordaire, foi lido na Sociedade de Paris, na sessão de 18 de janeiro; nessa mesma sessão o Sr. Morin, um de seus médiuns escreventes habituais, adormeceu espontaneamente sob a ação magnética dos Espíritos; era a terceira vez que nele se produzia esse fenômeno, pois habitualmente só adormece pela magnetização ordinária. Em seu sono ele falou sobre vários assuntos e de diversos Espíritos presentes, cujo pensamento nos transmitiu. Entre outras coisas disse o seguinte:
“Um Espírito que todos conheceis, e que também reconheço; um Espírito de grande reputação terrena, elevado na escala intelectual dos mundos, está aqui. Espírita antes do Espiritismo, eu o vi ensinando a doutrina, não mais como encarnado, mas como Espírito. Vi-o pregando com a mesma eloquência, com o mesmo sentimento de convicção íntima que quando vivo, o que não teria ousado pregar abertamente do púlpito, mas aquilo a que conduziam os seus ensinamentos. Vi-o pregar a doutrina aos seus, à sua família, a todos os seus amigos. Vi-o desesperar-se, embora em estado espiritual, quando encontrava um cérebro refratário ou uma resistência obstinada às inspirações que ele insuflava, sempre vivo e petulante, querendo fazer penetrar a convicção nas inteligências, como se faz penetrar na rocha viva o buril impulsionado por vigorosa martelada. Mas este não entra tão depressa; contudo, sua eloquência converteu vários. Este Espírito é o do abade Lacordaire.
“Ele pede uma coisa, não por orgulho, por um interesse pessoal qualquer, mas no interesse de todos e para o bem da Doutrina: a inserção na Revista do que ele escreveu há treze anos. Se peço tal inserção, diz ele, é por dois motivos: o primeiro porque mostrareis ao mundo que, como dizeis, pode-se não ser tolo e crer nos Espíritos, e o segundo é que a publicação dessa primeira citação permitirá que se descubram em meus escritos outras passagens que serão consideradas como concordes com os princípios do Espiritismo”.
Refutação da intervenção do demônio
(Por Monsenhor Freyssinous, bispo de Hermópolis)
Em resposta à opinião que atribui a uma astúcia do demônio as transformações morais operadas pelo ensino dos Espíritos, temos dito muitas vezes que o diabo seria muito pouco hábil se, para levar um homem à perdição, começa por tirá-lo do atoleiro da incredulidade e reconduzi-lo a Deus, o que seria a conduta de um bobo e de um ingênuo. A isto objetam que é justamente aí que está a obra-prima da malícia desse inimigo de Deus e dos homens. Confessamos não compreender a malícia.
Um dos nossos correspondentes nos dirige, em apoio ao nosso raciocínio, as palavras que seguem, do Monsenhor Freyssinous, bispo de Hermópolis, tiradas de suas Conferences sur la religion, tomo II, pg. 341; Paris, 1825.
“Se Jesus Cristo tivesse operado seus milagres pela virtude do demônio, este teria trabalhado para destruir o seu império e teria empregado seu poder contra si mesmo. Certamente um demônio que procurasse destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude seria um demônio estranho. Eis por que Jesus, para refutar a absurda acusação dos judeus, lhes dizia: ‘Se opero prodígios em nome do demônio, então o demônio está dividido consigo mesmo; ele procura, pois, destruir-se’, resposta que não sofre réplica.”
Obrigado ao nosso correspondente pela bondade de nos assinalar esta importante passagem, da qual nossos leitores tirarão proveito oportuno. Obrigado, também, a todos os que nos transmitem o que encontram, em suas leituras, de interessante para a Doutrina. Nada se perde.
Como se vê, muitos eclesiásticos estão longe de professar, sobre a doutrina demoníaca, opiniões tão absolutas quanto certo membros de clero. Nesta matéria, Monsenhor de Hermópolis é uma autoridade cujo valor não poderiam negar. Seus argumentos são precisamente os mesmos que os espíritas opõem aos que atribuem ao demônio os bons conselhos que recebem dos Espíritos. Com efeito, que fazem os Espíritos senão destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude, e reconduzir a Deus os que o desconhecem e o negam? Se tal fosse a obra do demônio, ele agiria como um ladrão de profissão que restituísse o que tinha roubado e induzisse os outros ladrões a se tornarem honestos. Então ele deveria ser felicitado por sua transformação. Sustentar a cooperação voluntária do Espírito do Mal para produzir o bem, não é apenas um contra-senso, mas é renegar a mais alta autoridade cristã, a do Cristo.
Que os fariseus do tempo de Jesus tivessem crido nisto de boa fé, poderíamos conceber, porque então eles não eram mais esclarecido sobre a natureza de Satã do que sobre a de Deus, e porque fazia parte da teogonia dos Judeus considerá-los como dois poderes rivais. Mas hoje tal doutrina é tão inadmissível quanto a que atribuía a Satã certas invenções industriais, como a imprensa, por exemplo. Seus próprios defensores talvez sejam os últimos a nela crer; ela já cai no ridículo e não amedronta ninguém, e dentro de pouco tempo ninguém ousará invocá-la seriamente.
A Doutrina Espírita não admite poder rival ao de Deus e, ainda menos, poderia admitir que um ser decaído, precipitado por Deus no abismo, pudesse ter recuperado o poder a ponto de contrabalançar os seus desígnios, o que tiraria de Deus a sua onipotência. Segundo essa doutrina, Satã é a personificação alegórica do mal, como entre os pagãos Saturno era a personificação do tempo, Marte a da guerra, Vênus a da beleza.
Os Espíritos que se manifestam são as almas dos homens, e entre eles há, como entre os homens, bons e perversos, adiantados e atrasados; os bons dizem boas coisas, dão bons conselhos; os perversos dão maus conselhos, inspiram maus pensamentos e fazem o mal, como faziam na Terra; vendo a maldade, a velhacaria, a ingratidão, a perversidade de certos homens, reconhece-se que eles não valem mais que os piores Espíritos. Mas, encarnados ou desencarnados, esses maus Espíritos um dia chegarão a se melhorar, quando tiverem sido tocados pelo arrependimento.
Comparai uma e outra doutrina, e vereis qual delas é a mais racional, a mais respeitosa para com a divindade.
Um dos nossos correspondentes nos dirige, em apoio ao nosso raciocínio, as palavras que seguem, do Monsenhor Freyssinous, bispo de Hermópolis, tiradas de suas Conferences sur la religion, tomo II, pg. 341; Paris, 1825.
“Se Jesus Cristo tivesse operado seus milagres pela virtude do demônio, este teria trabalhado para destruir o seu império e teria empregado seu poder contra si mesmo. Certamente um demônio que procurasse destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude seria um demônio estranho. Eis por que Jesus, para refutar a absurda acusação dos judeus, lhes dizia: ‘Se opero prodígios em nome do demônio, então o demônio está dividido consigo mesmo; ele procura, pois, destruir-se’, resposta que não sofre réplica.”
Obrigado ao nosso correspondente pela bondade de nos assinalar esta importante passagem, da qual nossos leitores tirarão proveito oportuno. Obrigado, também, a todos os que nos transmitem o que encontram, em suas leituras, de interessante para a Doutrina. Nada se perde.
Como se vê, muitos eclesiásticos estão longe de professar, sobre a doutrina demoníaca, opiniões tão absolutas quanto certo membros de clero. Nesta matéria, Monsenhor de Hermópolis é uma autoridade cujo valor não poderiam negar. Seus argumentos são precisamente os mesmos que os espíritas opõem aos que atribuem ao demônio os bons conselhos que recebem dos Espíritos. Com efeito, que fazem os Espíritos senão destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude, e reconduzir a Deus os que o desconhecem e o negam? Se tal fosse a obra do demônio, ele agiria como um ladrão de profissão que restituísse o que tinha roubado e induzisse os outros ladrões a se tornarem honestos. Então ele deveria ser felicitado por sua transformação. Sustentar a cooperação voluntária do Espírito do Mal para produzir o bem, não é apenas um contra-senso, mas é renegar a mais alta autoridade cristã, a do Cristo.
Que os fariseus do tempo de Jesus tivessem crido nisto de boa fé, poderíamos conceber, porque então eles não eram mais esclarecido sobre a natureza de Satã do que sobre a de Deus, e porque fazia parte da teogonia dos Judeus considerá-los como dois poderes rivais. Mas hoje tal doutrina é tão inadmissível quanto a que atribuía a Satã certas invenções industriais, como a imprensa, por exemplo. Seus próprios defensores talvez sejam os últimos a nela crer; ela já cai no ridículo e não amedronta ninguém, e dentro de pouco tempo ninguém ousará invocá-la seriamente.
A Doutrina Espírita não admite poder rival ao de Deus e, ainda menos, poderia admitir que um ser decaído, precipitado por Deus no abismo, pudesse ter recuperado o poder a ponto de contrabalançar os seus desígnios, o que tiraria de Deus a sua onipotência. Segundo essa doutrina, Satã é a personificação alegórica do mal, como entre os pagãos Saturno era a personificação do tempo, Marte a da guerra, Vênus a da beleza.
Os Espíritos que se manifestam são as almas dos homens, e entre eles há, como entre os homens, bons e perversos, adiantados e atrasados; os bons dizem boas coisas, dão bons conselhos; os perversos dão maus conselhos, inspiram maus pensamentos e fazem o mal, como faziam na Terra; vendo a maldade, a velhacaria, a ingratidão, a perversidade de certos homens, reconhece-se que eles não valem mais que os piores Espíritos. Mas, encarnados ou desencarnados, esses maus Espíritos um dia chegarão a se melhorar, quando tiverem sido tocados pelo arrependimento.
Comparai uma e outra doutrina, e vereis qual delas é a mais racional, a mais respeitosa para com a divindade.
Variedades
Eugénie Colombe. Precocidade fenomenal
Vários jornais reproduziram o seguinte fato:
“A Sentinelle, de Toulon, fala de um jovem fenômeno que é admirado no momento nessa cidade.
“É uma menina de dois anos e onze meses, chamada Eugénie Colombe.
“Essa menina já sabe ler e escrever perfeitamente; além do mais, está em condições de sustentar o mais sério exame sobre os princípios da religião cristã, sobre gramática francesa, Geografia, História da França e sobre as quatro operações da Aritmética.
“Ela conhece a rosa dos ventos e sustenta perfeitamente uma discussão científica sobre qualquer assunto.
“Essa admirável menina começou a falar muito distintamente com a idade de quatro meses.
“Apresentada nos salões da prefeitura marítima, Eugénie Colombe, dotada de um rosto encantador, obteve um sucesso magnífico.”
Este artigo nos tinha parecido, como para muitas outras pessoas, marcado de tal exagero, que não lhe tínhamos atribuído nenhuma importância. Não obstante, para saber positivamente a que nos atermos, pedimos a um dos nossos correspondentes, oficial de marinha em Toulon, a bondade de se informar do fato. Eis o que ele nos respondeu:
“Para me assegurar da verdade, fui à casa dos pais da menina mencionada pela Sentinelle Toulonnaise de 19 de novembro, e vi essa encantadora criança, cujo desenvolvimento físico corresponde à sua idade. Ela tem apenas três anos. Sua mãe é professora e é ela que dirige a sua instrução. Em minha presença interrogou-a sobre o catecismo, a história sagrada, desde a criação do mundo até o dilúvio, os oito primeiros reis da França e diversas circunstâncias relativas a seus reinados e ao de Napoleão I. Quanto à Geografia, a menina citou as cinco partes do mundo, as capitais dos países que as compõem e várias capitais de Departamentos da França. Também respondeu perfeitamente às primeiras noções de gramática francesa e do sistema métrico. Ela deu todas as respostas sem a menor hesitação, divertindo-se com os brinquedos que tinha nas mãos. Sua mãe me disse que ela sabe ler desde dois anos e meio e assegurou-me que pode responder do mesmo modo a mais de quinhentas perguntas.”
Livre do exagero do relato dos jornais e reduzido às proporções acima, o fato não é menos notável e importante em suas consequências. Ele forçosamente chama a atenção sobre fatos análogos de precocidade intelectual e conhecimentos inatos. Involuntariamente procuramos sua explicação, e com a ideia da pluralidade das existências, que circula, não se chega a nela achar uma solução racional senão numa existência anterior. Há que colocar esses fenômenos no número dos que são anunciados como devendo, por sua multiplicidade, confirmar as crenças espíritas, e contribuir para o seu desenvolvimento.
No presente caso, certamente a memória parece desempenhar um papel importante. Sendo professora a mãe da menina, sem dúvida a menina encontrava-se habitualmente na sala de aula, e teria retido as lições dadas aos alunos por sua mãe, ao passo que se veem certos alunos possuírem, por intuição, conhecimentos de certo modo inatos e independentes de qualquer ensinamento. Mas por que nela e não nos outros, essa facilidade excepcional para assimilar o que ouvia e que provavelmente não pensavam em lhe ensinar? É que aquilo que ela ouvia apenas lhe despertava a lembrança do que ela já soubera. A precocidade de certas crianças para as línguas, a música, as matemáticas, etc., todas as ideias inatas, numa palavra, igualmente não passam de lembranças. Elas se lembram do que souberam, como se veem certas pessoas lembrar-se, mais ou menos vagamente, do que fizeram ou do que lhes aconteceu. Conhecemos um menino de cinco anos que, estando à mesa, onde nada da conversa poderia ter provocado uma ideia a esse respeito, pôs-se a dizer: “Eu fui casado, e me lembro bem. Eu tinha uma mulher, pequena, jovem e linda, e tive vários filhos.” Certamente não temos nenhum meio de controlar sua asserção, mas nos perguntamos de onde lhe pode vir semelhante ideia, quando nenhuma circunstância tinha podido provocá-la.
Devemos disto tirar a conclusão que as crianças que só aprendem à custa de muito esforço foram ignorantes ou estúpidas em sua precedente existência? Certamente não. A faculdade de recordar é uma aptidão inerente ao estado psicológico, isto é, ao mais fácil desprendimento da alma em certos indivíduos do que em outros, uma espécie de visão espiritual retrospectiva que lhes lembra o passado, ao passo que naqueles que não a possuem, esse passado não deixa qualquer traço aparente. O passado é como um sonho, do qual a gente se lembra mais ou menos exatamente, ou do qual se perdeu totalmente a lembrança. (Ver a Revista Espírita de julho de 1860 e também a de novembro de 1864).
No momento de remeter a Revista para a gráfica, recebemos de um dos correspondentes da Argélia, que, de passagem por Toulon, viu a pequena Eugénie Colombe, uma carta contendo o relato seguinte, que confirma o precedente, e acrescenta detalhes que não deixam de ser interessantes:
“Essa menina, de uma beleza notável, é de uma vivacidade extrema, mas de uma suavidade angélica. Sentada nos joelhos de sua mãe, respondeu a mais de cinquenta perguntas sobre o Evangelho. Interrogada sobre Geografia, designou-me todas as capitais da Europa e de diversos países da América; todas as capitais dos Departamentos da França e da Argélia; explicou-me o sistema decimal e o sistema métrico. Em gramática, os verbos, os particípios e os adjetivos. Conhece, ou pelo menos define, as quatro operações básicas. Escreveu meu ditado, mas com tal rapidez que sou levado a crer que escrevia mediunicamente. Na quinta linha ela largou a pena, olhou-me fixamente com seus grandes olhos azuis, e me disse bruscamente: ‘Senhor, é bastante’. Depois desceu da cadeira e correu para os brinquedos.
“Essa criança certamente é um Espírito muito adiantado, porque se vê que responde e cita sem o menor esforço de memória. Sua mãe me disse que desde os 12 ou 15 meses ela sonha à noite e parece conversar, mas numa língua incompreensível. É caridosa por instinto; chama sempre a atenção de sua mãe quando avista um pobre; não suporta que batam nos cães, nos gatos, nem em qualquer animal. Seu pai é operário no arsenal de marinha.”
Somente espíritas esclarecidos, como os nossos dois correspondentes, poderiam apreciar o fenômeno psicológico que apresenta essa criança e sondar-lhe a causa, porque, assim como para julgar um mecanismo é preciso ser mecânico, para julgar fatos espíritas é preciso ser espírita. Ora, em geral, a quem encarregam da constatação e da explicação dos fenômenos deste gênero? Precisamente a pessoas que não os estudaram e que, negando a causa primeira, não podem admitir-lhes as consequências.
“A Sentinelle, de Toulon, fala de um jovem fenômeno que é admirado no momento nessa cidade.
“É uma menina de dois anos e onze meses, chamada Eugénie Colombe.
“Essa menina já sabe ler e escrever perfeitamente; além do mais, está em condições de sustentar o mais sério exame sobre os princípios da religião cristã, sobre gramática francesa, Geografia, História da França e sobre as quatro operações da Aritmética.
“Ela conhece a rosa dos ventos e sustenta perfeitamente uma discussão científica sobre qualquer assunto.
“Essa admirável menina começou a falar muito distintamente com a idade de quatro meses.
“Apresentada nos salões da prefeitura marítima, Eugénie Colombe, dotada de um rosto encantador, obteve um sucesso magnífico.”
Este artigo nos tinha parecido, como para muitas outras pessoas, marcado de tal exagero, que não lhe tínhamos atribuído nenhuma importância. Não obstante, para saber positivamente a que nos atermos, pedimos a um dos nossos correspondentes, oficial de marinha em Toulon, a bondade de se informar do fato. Eis o que ele nos respondeu:
“Para me assegurar da verdade, fui à casa dos pais da menina mencionada pela Sentinelle Toulonnaise de 19 de novembro, e vi essa encantadora criança, cujo desenvolvimento físico corresponde à sua idade. Ela tem apenas três anos. Sua mãe é professora e é ela que dirige a sua instrução. Em minha presença interrogou-a sobre o catecismo, a história sagrada, desde a criação do mundo até o dilúvio, os oito primeiros reis da França e diversas circunstâncias relativas a seus reinados e ao de Napoleão I. Quanto à Geografia, a menina citou as cinco partes do mundo, as capitais dos países que as compõem e várias capitais de Departamentos da França. Também respondeu perfeitamente às primeiras noções de gramática francesa e do sistema métrico. Ela deu todas as respostas sem a menor hesitação, divertindo-se com os brinquedos que tinha nas mãos. Sua mãe me disse que ela sabe ler desde dois anos e meio e assegurou-me que pode responder do mesmo modo a mais de quinhentas perguntas.”
Livre do exagero do relato dos jornais e reduzido às proporções acima, o fato não é menos notável e importante em suas consequências. Ele forçosamente chama a atenção sobre fatos análogos de precocidade intelectual e conhecimentos inatos. Involuntariamente procuramos sua explicação, e com a ideia da pluralidade das existências, que circula, não se chega a nela achar uma solução racional senão numa existência anterior. Há que colocar esses fenômenos no número dos que são anunciados como devendo, por sua multiplicidade, confirmar as crenças espíritas, e contribuir para o seu desenvolvimento.
No presente caso, certamente a memória parece desempenhar um papel importante. Sendo professora a mãe da menina, sem dúvida a menina encontrava-se habitualmente na sala de aula, e teria retido as lições dadas aos alunos por sua mãe, ao passo que se veem certos alunos possuírem, por intuição, conhecimentos de certo modo inatos e independentes de qualquer ensinamento. Mas por que nela e não nos outros, essa facilidade excepcional para assimilar o que ouvia e que provavelmente não pensavam em lhe ensinar? É que aquilo que ela ouvia apenas lhe despertava a lembrança do que ela já soubera. A precocidade de certas crianças para as línguas, a música, as matemáticas, etc., todas as ideias inatas, numa palavra, igualmente não passam de lembranças. Elas se lembram do que souberam, como se veem certas pessoas lembrar-se, mais ou menos vagamente, do que fizeram ou do que lhes aconteceu. Conhecemos um menino de cinco anos que, estando à mesa, onde nada da conversa poderia ter provocado uma ideia a esse respeito, pôs-se a dizer: “Eu fui casado, e me lembro bem. Eu tinha uma mulher, pequena, jovem e linda, e tive vários filhos.” Certamente não temos nenhum meio de controlar sua asserção, mas nos perguntamos de onde lhe pode vir semelhante ideia, quando nenhuma circunstância tinha podido provocá-la.
Devemos disto tirar a conclusão que as crianças que só aprendem à custa de muito esforço foram ignorantes ou estúpidas em sua precedente existência? Certamente não. A faculdade de recordar é uma aptidão inerente ao estado psicológico, isto é, ao mais fácil desprendimento da alma em certos indivíduos do que em outros, uma espécie de visão espiritual retrospectiva que lhes lembra o passado, ao passo que naqueles que não a possuem, esse passado não deixa qualquer traço aparente. O passado é como um sonho, do qual a gente se lembra mais ou menos exatamente, ou do qual se perdeu totalmente a lembrança. (Ver a Revista Espírita de julho de 1860 e também a de novembro de 1864).
No momento de remeter a Revista para a gráfica, recebemos de um dos correspondentes da Argélia, que, de passagem por Toulon, viu a pequena Eugénie Colombe, uma carta contendo o relato seguinte, que confirma o precedente, e acrescenta detalhes que não deixam de ser interessantes:
“Essa menina, de uma beleza notável, é de uma vivacidade extrema, mas de uma suavidade angélica. Sentada nos joelhos de sua mãe, respondeu a mais de cinquenta perguntas sobre o Evangelho. Interrogada sobre Geografia, designou-me todas as capitais da Europa e de diversos países da América; todas as capitais dos Departamentos da França e da Argélia; explicou-me o sistema decimal e o sistema métrico. Em gramática, os verbos, os particípios e os adjetivos. Conhece, ou pelo menos define, as quatro operações básicas. Escreveu meu ditado, mas com tal rapidez que sou levado a crer que escrevia mediunicamente. Na quinta linha ela largou a pena, olhou-me fixamente com seus grandes olhos azuis, e me disse bruscamente: ‘Senhor, é bastante’. Depois desceu da cadeira e correu para os brinquedos.
“Essa criança certamente é um Espírito muito adiantado, porque se vê que responde e cita sem o menor esforço de memória. Sua mãe me disse que desde os 12 ou 15 meses ela sonha à noite e parece conversar, mas numa língua incompreensível. É caridosa por instinto; chama sempre a atenção de sua mãe quando avista um pobre; não suporta que batam nos cães, nos gatos, nem em qualquer animal. Seu pai é operário no arsenal de marinha.”
Somente espíritas esclarecidos, como os nossos dois correspondentes, poderiam apreciar o fenômeno psicológico que apresenta essa criança e sondar-lhe a causa, porque, assim como para julgar um mecanismo é preciso ser mecânico, para julgar fatos espíritas é preciso ser espírita. Ora, em geral, a quem encarregam da constatação e da explicação dos fenômenos deste gênero? Precisamente a pessoas que não os estudaram e que, negando a causa primeira, não podem admitir-lhes as consequências.
Tom, o cego, músico natural
Lemos no Spiritual Magazine, de Londres:
“A celebridade de Tom, o Cego, que há pouco fez o seu aparecimento em Londres, já se tinha espalhado aqui, e há alguns anos um artigo no jornal All the year round tinha descrito suas notáveis faculdades e a sensação que elas haviam produzido na América. A maneira pela qual as faculdades se desenvolveram nesse negro, escravo e cego, ignorante e totalmente iletrado; como, menino ainda, um dia surpreendido pelos sons da música na casa de seu senhor, correu sem cerimônia a sentar-se ao piano, reproduzindo nota por nota o que acabava de ser tocado, rindo e se contorcendo de alegria ao ver o novo mundo de prazeres que acabava de descobrir, tudo isto foi tão frequentemente repetido, que julgo inútil mencioná-lo mais uma vez. Mas um fato significativo e interessante me foi contado por um amigo, que foi o primeiro a testemunhar e apreciar a faculdade de Tom. Um dia tocaram uma peça de Haendel para ele. Imediatamente Tom a repetiu corretamente e, ao terminar, esfregou as mãos com uma expressão de indefinível alegria, exclamando: “Eu o vejo, é um velho com uma grande peruca; ele tocou primeiro e eu depois.” É incontestável que Tom tinha visto Haendel e o tinha ouvido tocar.
“Tom exibiu-se várias vezes em público, e a maneira que executa os trechos mais difíceis quase faria duvidar de sua enfermidade. Ele repete sem falha, no piano, e necessariamente de memória, tudo quanto tocam para ele, quer sonatas clássicas antigas, quer fantasias modernas. Ora, gostaríamos de ver quem poderia aprender desta maneira as variações de Thalberg com os olhos fechados, como ele faz.
“Este fato surpreendente de um cego, ignorante, desprovido de qualquer instrução, mostrando um talento que outros são incapazes de adquirir com todas as vantagens do estudo, provavelmente será explicado por muitos, segundo a maneira ordinária de encarar estas coisas, dizendo: ‘É um gênio e uma organização excepcional.’ Mas só o Espiritismo pode dar a chave desse fenômeno de maneira compreensível e racional.”
As reflexões que fizemos a propósito da menina de Toulon, naturalmente se aplicam a Tom, o Cego. Tom deve ter sido um grande músico, ao qual basta ouvir para lembrar-se do que sabia. O que torna o fenômeno mais extraordinário é que se apresenta num negro, escravo e cego, tríplice causa que se opunha à cultura de suas aptidões nativas e a despeito das quais se manifestaram na primeira ocasião favorável, como um germe aos raios do sol. Ora, como a raça negra em geral, e sobretudo no estado de escravidão, não brilha pela cultura das artes, há que concluir que o Espírito de Tom não pertence a essa raça, mas que nela se encarnou como expiação ou como meio providencial de reabilitação dessa raça na opinião, mostrando de que ela é capaz.
Muito foi dito e escrito contra a escravidão e o preconceito da cor. Tudo quanto foi dito é justo e moral, mas não passa de uma tese filosófica. A lei da pluralidade das existências e da reencarnação vem a isto acrescentar a irrefutável sanção de uma lei da Natureza que consagra a fraternidade de todos os homens. Tom, o escravo nascido e aclamado na América, é um protesto vivo contra os preconceitos que ainda reinam nesse país. (Ver a Revista de abril de 1862: Perfectibilidade da raça negra. Frenologia espiritualista).
“A celebridade de Tom, o Cego, que há pouco fez o seu aparecimento em Londres, já se tinha espalhado aqui, e há alguns anos um artigo no jornal All the year round tinha descrito suas notáveis faculdades e a sensação que elas haviam produzido na América. A maneira pela qual as faculdades se desenvolveram nesse negro, escravo e cego, ignorante e totalmente iletrado; como, menino ainda, um dia surpreendido pelos sons da música na casa de seu senhor, correu sem cerimônia a sentar-se ao piano, reproduzindo nota por nota o que acabava de ser tocado, rindo e se contorcendo de alegria ao ver o novo mundo de prazeres que acabava de descobrir, tudo isto foi tão frequentemente repetido, que julgo inútil mencioná-lo mais uma vez. Mas um fato significativo e interessante me foi contado por um amigo, que foi o primeiro a testemunhar e apreciar a faculdade de Tom. Um dia tocaram uma peça de Haendel para ele. Imediatamente Tom a repetiu corretamente e, ao terminar, esfregou as mãos com uma expressão de indefinível alegria, exclamando: “Eu o vejo, é um velho com uma grande peruca; ele tocou primeiro e eu depois.” É incontestável que Tom tinha visto Haendel e o tinha ouvido tocar.
“Tom exibiu-se várias vezes em público, e a maneira que executa os trechos mais difíceis quase faria duvidar de sua enfermidade. Ele repete sem falha, no piano, e necessariamente de memória, tudo quanto tocam para ele, quer sonatas clássicas antigas, quer fantasias modernas. Ora, gostaríamos de ver quem poderia aprender desta maneira as variações de Thalberg com os olhos fechados, como ele faz.
“Este fato surpreendente de um cego, ignorante, desprovido de qualquer instrução, mostrando um talento que outros são incapazes de adquirir com todas as vantagens do estudo, provavelmente será explicado por muitos, segundo a maneira ordinária de encarar estas coisas, dizendo: ‘É um gênio e uma organização excepcional.’ Mas só o Espiritismo pode dar a chave desse fenômeno de maneira compreensível e racional.”
As reflexões que fizemos a propósito da menina de Toulon, naturalmente se aplicam a Tom, o Cego. Tom deve ter sido um grande músico, ao qual basta ouvir para lembrar-se do que sabia. O que torna o fenômeno mais extraordinário é que se apresenta num negro, escravo e cego, tríplice causa que se opunha à cultura de suas aptidões nativas e a despeito das quais se manifestaram na primeira ocasião favorável, como um germe aos raios do sol. Ora, como a raça negra em geral, e sobretudo no estado de escravidão, não brilha pela cultura das artes, há que concluir que o Espírito de Tom não pertence a essa raça, mas que nela se encarnou como expiação ou como meio providencial de reabilitação dessa raça na opinião, mostrando de que ela é capaz.
Muito foi dito e escrito contra a escravidão e o preconceito da cor. Tudo quanto foi dito é justo e moral, mas não passa de uma tese filosófica. A lei da pluralidade das existências e da reencarnação vem a isto acrescentar a irrefutável sanção de uma lei da Natureza que consagra a fraternidade de todos os homens. Tom, o escravo nascido e aclamado na América, é um protesto vivo contra os preconceitos que ainda reinam nesse país. (Ver a Revista de abril de 1862: Perfectibilidade da raça negra. Frenologia espiritualista).
Suicídios dos animais
"Contava o Morning-Post, há alguns dias, a estranha história de um cão que se teria suicidado. O animal pertencia a um senhor chamado Home, de Frinsbury, perto de Rochester. Parece que certas circunstâncias haviam levado a considerá-lo suspeito de hidrofobia e que, por conseguinte, evitavam-no e o mantinham afastado da casa tanto quanto possível. Ele parecia experimentar muito desgosto por ser assim tratado, e durante alguns dias notaram que ele estava de humor sombrio e magoado, mas sem mostrar ainda qualquer sintoma de raiva. Quinta-feira viram-no deixar o seu nicho e dirigir-se para a residência de um amigo íntimo de seu dono, em Upnor, onde recusaram acolhê-lo, o que lhe arrancou um grito lamentável.
“Depois de esperar algum tempo diante da casa sem obter permissão para entrar, decidiu-se a partir, e viram-no caminhar na direção do rio que passa perto dali, descer a barranca com passo deliberado e em seguida, depois de voltar-se e emitir uma espécie de uivo de adeus, entrar no rio, mergulhar na água e, ao cabo de um ou dois minutos, reaparecer à tona, sem vida.
“Este ato de suicídio extraordinário, segundo dizem, foi testemunhado por grande número de pessoas. O gênero de morte prova claramente que o animal não estava hidrófobo.
“Tal fato parece muito extraordinário. Sem dúvida encontrará incrédulos. Não obstante, diz o Droit, não lhe faltam precedentes.
“A história nos conservou a lembrança de cães fiéis que se entregaram a uma morte voluntária, para não sobreviverem a seus donos. Montaigne cita dois exemplos, tirados da Antiguidade: “Hyrcanus, o cão do rei Lisímaco, seu senhor morto, ficou obstinado sobre sua cama, sem beber nem comer, e no dia em que queimaram o corpo de seu senhor, ele correu e atirou-se no fogo, onde foi queimado, como fez também o cão de um tal Pyrrhus, porque ele não saiu de cima do leito do seu dono desde que ele morreu, e quando o levaram, deixou-se levar com ele, e finalmente lançou-se na fogueira onde queimavam o corpo de seu dono.” (Essais, liv. II, cap. XII). Nós mesmos registramos, há alguns anos, o fim trágico de um cão que tendo perdido a estima de seu dono, e não achando consolo, tinha-se precipitado do alto de uma passarela no canal Saint-Martin. O relato muito circunstanciado que então fizemos do caso jamais foi contraditado e não deu lugar a qualquer reclamação das partes interessadas.”
(Petit Journal, 15 de maio de 1866).
Não faltam exemplos de suicídio entre os animais. Como se disse acima, o cão que se deixa morrer de inanição pelo pesar de haver perdido o dono, realiza um verdadeiro suicídio. O escorpião, cercado por carvões acesos, vendo que não pode sair, mata-se. É uma analogia a mais a constatar entre o espírito do homem e o dos animais.
A morte voluntária de um animal prova que ele tem consciência de sua existência e de sua individualidade. Ele compreende o que é a vida e a morte, pois escolhe livremente entre uma e outra. Ele não é, portanto, uma máquina, e não obedece exclusivamente a um instinto cego, como se supõe. O instinto impele à procura dos meios de conservação, e não de sua própria destruição.
“Depois de esperar algum tempo diante da casa sem obter permissão para entrar, decidiu-se a partir, e viram-no caminhar na direção do rio que passa perto dali, descer a barranca com passo deliberado e em seguida, depois de voltar-se e emitir uma espécie de uivo de adeus, entrar no rio, mergulhar na água e, ao cabo de um ou dois minutos, reaparecer à tona, sem vida.
“Este ato de suicídio extraordinário, segundo dizem, foi testemunhado por grande número de pessoas. O gênero de morte prova claramente que o animal não estava hidrófobo.
“Tal fato parece muito extraordinário. Sem dúvida encontrará incrédulos. Não obstante, diz o Droit, não lhe faltam precedentes.
“A história nos conservou a lembrança de cães fiéis que se entregaram a uma morte voluntária, para não sobreviverem a seus donos. Montaigne cita dois exemplos, tirados da Antiguidade: “Hyrcanus, o cão do rei Lisímaco, seu senhor morto, ficou obstinado sobre sua cama, sem beber nem comer, e no dia em que queimaram o corpo de seu senhor, ele correu e atirou-se no fogo, onde foi queimado, como fez também o cão de um tal Pyrrhus, porque ele não saiu de cima do leito do seu dono desde que ele morreu, e quando o levaram, deixou-se levar com ele, e finalmente lançou-se na fogueira onde queimavam o corpo de seu dono.” (Essais, liv. II, cap. XII). Nós mesmos registramos, há alguns anos, o fim trágico de um cão que tendo perdido a estima de seu dono, e não achando consolo, tinha-se precipitado do alto de uma passarela no canal Saint-Martin. O relato muito circunstanciado que então fizemos do caso jamais foi contraditado e não deu lugar a qualquer reclamação das partes interessadas.”
(Petit Journal, 15 de maio de 1866).
Não faltam exemplos de suicídio entre os animais. Como se disse acima, o cão que se deixa morrer de inanição pelo pesar de haver perdido o dono, realiza um verdadeiro suicídio. O escorpião, cercado por carvões acesos, vendo que não pode sair, mata-se. É uma analogia a mais a constatar entre o espírito do homem e o dos animais.
A morte voluntária de um animal prova que ele tem consciência de sua existência e de sua individualidade. Ele compreende o que é a vida e a morte, pois escolhe livremente entre uma e outra. Ele não é, portanto, uma máquina, e não obedece exclusivamente a um instinto cego, como se supõe. O instinto impele à procura dos meios de conservação, e não de sua própria destruição.
Poesias espíritas
(Sociedade de Paris, 20 de julho de 1866 - Médium: Sr. Vavasseur)
Lembranças
Duas crianças, a irmã e o irmão,
Entravam juntas na choupana
Em noite de verão. Já a noite,
Em passo lento, avançava silenciosa,
Atrás deles, branca e vaporosa
Como misteriosa sombra.
Dormia a ave no fundo do bosque,
E o vento seco deslizava sem voz;
Tudo sonhava em um doce mistério.
Diz a irmã, baixinho, a seu irmão:
Irmão, tenho medo; não escutas
Um sino chorar ao longe?
É o triste dobre a finados
Por um morto. ─ Não tremas,
Irmã, diz o irmão, é uma alma
Que foge da Terra e que reclama
Uma prece, a fim de pagar
Seu lugar na eterna morada.
Vamos, irmã, orar na igreja
Sobre a laje poenta e cinza,
Onde nos viram, em dia de luto,
Ambos atrás do grande esquife
Onde dormia nossa pobre mãe.
Vamos orar pelos mortos, irmã;
Isto nos fará felizes.
Vamos, vamos!
─ E irmã e irmão,
Com lágrimas nos olhos,
Ambos se dando as mãos,
Tomaram o estreito e verde caminho
Que levava à velha igreja.
Uma segunda vez o toque do sino
Lhes trouxe o triste adeus
Do morto buscando Deus,
E o sino cessou o seu lamento;
E mudos, tremendo de medo
As duas crianças silenciosas
Marchavam a olhar os céus.
Chegados da igreja à porta
Viram uma mulher sentada
À sombra de um triste pilar
Que sustinha a grande pia.
Com os pés nus e a face velada,
Pálida, louca e desgrenhada
Ela exclamava: Ó meu Deus!
Vós a quem se adora em toda parte,
Em todo o tempo, em toda a Terra,
Como no Céu, uma pobre mãe
Tremendo, ao pé dos vossos altares.
Ante os vossos desígnios eternos
Apenas ousa, em vossa presença,
Lamentar-se e conter o sofrimento.
Senhor! Eu só tinha um filho,
Um só; era róseo e branco
Como um branco raio que colore
Uma fresca manhã em sua aurora.
O espelho de seus grandes olhos azuis
Refletia o azul dos vossos céus,
E em sua boca um meigo sorriso
Parecia brotar e me dizer:
Não chores mais em teu lar;
Deus acaba de me enviar.
Vê, a tempestade cessou, mãe;
O céu está sem nuvens; espera!
E eu esperava.
Mas, pobre criança,
Tu te enganavas me enganando.
Quando o vento sopra na praia
E tudo destrói ao seu passar,
Só deixando os caniços
A chorar ao pé das águas,
E quando a morte bate à porta
De um lar, entra e carrega
Tudo, tudo!
Não deixando no sólio
Senão um pano preto a ocultar seu luto.
Eu sabia, entretanto, que um belo sonho,
Se começa de manhã, acaba
Uma noite aqui mesmo; que a noite,
Invejosa do sol que brilha
E empalidece a sua triste sombra,
Logo estende um véu sombrio
Para escurecer suas mil luzes
E o velar a todos os olhares.
Sim, eu o sabia; mas a mãe
Tudo ignorava; e quando espera,
A pobre mãe crê em tudo;
Para um filho, sobretudo felicidade.
Eu tinha sofrido toda a minha vida,
Não podia, sem loucura,
Esperar um dia de ventura?
Foi diferente! Senhor,
Que se faça vossa vontade!
Só, neste humilde retiro,
Onde vi morrer meu esposo,
Onde, pálida e trêmula, de joelhos,
Recebi o adeus de um pai,
Quando tirais à mãe
A última esperança, seu filho.
Ante o seu carrasco triunfante,
A morte que contempla sua presa
Com um sorriso de alegria,
Senhor! eu peço à mão
Que fere todos os meus, amanhã
Não poupar a mãe
Pedindo seu filho à Terra.
O sino, pela última vez,
A estas palavras, fez ouvir sua voz.
A alma da criança sobre a Terra
Voltava a consolar a mãe
Dizendo-lhe: Estou nos Céus!
Quando irmão e irmã pensativos
Saíram da velha igreja,
A mulher continuava sentada.
JEAN.
Dissertações espíritas
As três causas principais das doenças
(Paris, 25 de outubro de 1866 - Médium: Sr. Desliens)
O que é o homem?... Um composto de três princípios essenciais: o espírito, o perispírito e o corpo. A ausência de qualquer um destes três princípios acarretaria necessariamente o aniquilamento do ser no estado humano. Se o corpo não mais existir, haverá o Espírito e não mais o homem; se o perispírito falta ou não pode funcionar, não podendo o imaterial agir diretamente sobre a matéria, encontrando-se assim impossibilitado de manifestar-se, poderá haver alguma coisa do gênero do cretino ou do idiota, mas não haverá jamais um ser inteligente. Enfim, se o espírito faltar, ter-se-á um feto vivendo vida animal e não um Espírito encarnado. Se, pois, temos a presença de três princípios, esses três princípios devem reagir um sobre o outro, e seguir-se-á a saúde ou a doença, conforme haja entre eles harmonia perfeita ou desarmonia parcial.
Se a doença ou desordem orgânica, como queiram chamar, procede do corpo, os medicamentos materiais sabiamente empregados bastarão para restabelecer a harmonia geral.
Se a perturbação vem do perispírito, se é uma modificação do princípio fluídico que o compõe, que se acha alterado, será necessária uma medicação adequada à natureza do órgão perturbado, para que as funções possam retomar seu estado normal. Se a doença procede do Espírito, não poderíamos empregar, para combatêla, outra coisa senão uma medicação espiritual. Se, enfim, ─ como é o caso mais geral, e, podemos mesmo dizer, o caso que se apresenta exclusivamente, ─ se a doença procede do corpo, do perispírito e do espírito, será preciso que a medicação combata simultaneamente todas as causas da desordem por meios diversos, para obtermos a cura.
Ora, o que fazem geralmente os médicos? Eles cuidam do corpo e o curam; mas curam a doença? Não. Por quê? Porque sendo o perispírito um princípio superior à matéria propriamente dita, poderá tornar-se a causa em relação a esta, e se for entravado, os órgãos materiais que se acham em relação com ele serão igualmente atingidos na sua vitalidade. Cuidando do corpo, destruís o efeito; mas, residindo a causa no perispírito, a doença voltará novamente, quando cessarem os cuidados, até que se perceba que é preciso levar alhures a atenção, cuidando fluidicamente o princípio fluídico mórbido. Se, enfim, a doença proceder da mente, do espírito, o perispírito e o corpo, postos sob sua dependência, serão entravados em suas funções, e não é cuidando de um nem do outro que se fará desaparecer a causa.
Não é, pois, vestindo a camisa de força num louco ou lhe dando pílulas ou duchas que conseguirão restituir-lhe o estado normal. Apenas acalmarão seus sentidos revoltados; acalmarão os seus acessos, mas não destruirão o germe senão o combatendo por seus semelhantes, fazendo homeopatia, espiritual e fluidicamente, como fazem materialmente, dando ao doente, pela prece, uma dose infinitesimal de paciência, de calma, de resignação, conforme o caso, como se lhe dá uma dose infinitesimal de brucina, de digitális ou de acônito.
Para destruir uma causa mórbida, há que combatê-la em seu terreno.
DR. MOREL LAVALLÉE.
Se a doença ou desordem orgânica, como queiram chamar, procede do corpo, os medicamentos materiais sabiamente empregados bastarão para restabelecer a harmonia geral.
Se a perturbação vem do perispírito, se é uma modificação do princípio fluídico que o compõe, que se acha alterado, será necessária uma medicação adequada à natureza do órgão perturbado, para que as funções possam retomar seu estado normal. Se a doença procede do Espírito, não poderíamos empregar, para combatêla, outra coisa senão uma medicação espiritual. Se, enfim, ─ como é o caso mais geral, e, podemos mesmo dizer, o caso que se apresenta exclusivamente, ─ se a doença procede do corpo, do perispírito e do espírito, será preciso que a medicação combata simultaneamente todas as causas da desordem por meios diversos, para obtermos a cura.
Ora, o que fazem geralmente os médicos? Eles cuidam do corpo e o curam; mas curam a doença? Não. Por quê? Porque sendo o perispírito um princípio superior à matéria propriamente dita, poderá tornar-se a causa em relação a esta, e se for entravado, os órgãos materiais que se acham em relação com ele serão igualmente atingidos na sua vitalidade. Cuidando do corpo, destruís o efeito; mas, residindo a causa no perispírito, a doença voltará novamente, quando cessarem os cuidados, até que se perceba que é preciso levar alhures a atenção, cuidando fluidicamente o princípio fluídico mórbido. Se, enfim, a doença proceder da mente, do espírito, o perispírito e o corpo, postos sob sua dependência, serão entravados em suas funções, e não é cuidando de um nem do outro que se fará desaparecer a causa.
Não é, pois, vestindo a camisa de força num louco ou lhe dando pílulas ou duchas que conseguirão restituir-lhe o estado normal. Apenas acalmarão seus sentidos revoltados; acalmarão os seus acessos, mas não destruirão o germe senão o combatendo por seus semelhantes, fazendo homeopatia, espiritual e fluidicamente, como fazem materialmente, dando ao doente, pela prece, uma dose infinitesimal de paciência, de calma, de resignação, conforme o caso, como se lhe dá uma dose infinitesimal de brucina, de digitális ou de acônito.
Para destruir uma causa mórbida, há que combatê-la em seu terreno.
DR. MOREL LAVALLÉE.
A clareza
(Sociedade de Paris, 5 de janeiro de 1866 - Médium: Sr. Leymarie)
Conceder-me-eis hospitalidade para a vossa primeira sessão de 1866? Eu desejo, com o abraço fraterno, vos apresentar votos amigos; que possais ter muitas satisfações morais, muita vontade e caridade perseverante. Neste século de luz, o que mais falta é clareza! Os meio sábios, os papões da imprensa, fizeram valentemente o trabalho da aranha para obscurecer, por meio de um tecido supostamente liberal, tudo o que é claro, tudo o que aclara.
Caros espíritas, encontrastes em todas as camadas sociais esta força de raciocínio que é a marca inteligente dos seres realizados? Não tendes, pelo contrário, a certeza de que a grande maioria de vossos irmãos se atola numa ignorância malsã? Por toda parte as heresias e as más ações! As boas intenções, viciadas em seu princípio, caem uma a uma, semelhantes a esses belos frutos cujo âmago um verme rói e o vento joga por terra. A clareza nos argumentos, no saber, acaso teria escolhido domicílio nas academias, entre os filósofos, os jornalistas e os panfletários?... Parece-me que poderíamos duvidar, vendo-os, a exemplo de Diógenes, com a lanterna na mão, procurar uma verdade em pleno sol.
Luz, claridade, vós sois a essência de todo movimento inteligente! Em breve inundareis com os vossos raios benfazejos os mais obscuros recantos desta pobre Humanidade; sois vós que tirareis do lodaçal tantos terrícolas pasmados, embrutecidos, espíritos infelizes que devem ser lavados pela instrução, pela liberdade, sobretudo pela consciência de seu valor espiritual. A luz expulsará as lágrimas, as penas, os desesperos sombrios, a negação das coisas divinas, todas as más vontades! Cercando o materialismo, ela o forçará a não mais abrigar-se atrás dessa barreira fictícia, carcomida, de onde arremessa desajeitadamente suas setas sobre tudo quanto não é obra sua.
Mas as máscaras serão arrancadas e então saberemos se os prazeres, a fortuna e o sensualismo, são mesmo os emblemas da vida e da liberdade. A clareza é útil em tudo e a todos; no embrião, como no homem, é necessária a luz! Sem ela tudo caminha tateando, e tateando, a alma busca a alma.
Que se faça uma noite eterna! Logo as cores harmoniosas desaparecerão do vosso globo; as flores estiolar-se-ão; as grandes árvores serão destruídas; os insetos, a Natureza inteira não mais emitirão esses mil sons, a eterna canção de Deus! Os regatos banharão as regiões desoladas; o frio terá tudo mumificado; a vida terá desaparecido!...
O mesmo acontece com o Espírito. Se fizerdes noite em seu redor, ele ficará doente; o frio petrificará suas tendências divinas; como na Idade Média, o homem embotar-se-á, assemelhando sua alma às solidões selvagens e desoladas das regiões boreais!
É por isto, espíritas, que vos deveis a todas as clarezas. Mas antes de aconselhar e ensinar, começai logo por iluminar os menores refolhos de vossa alma. Quando suficientemente depurados para nada temer, podereis elevar a voz, o olhar, o gesto; fareis uma guerra implacável à sombra, à tristeza, à ausência de vida. Ensinareis as grandes leis espíritas aos irmãos que nada sabem do papel que Deus lhes confere.
1866, possas tu, para os anos seguintes, ser a estrela luminosa que conduzia os reis magos para o berço de uma humilde criança do povo. Eles vinham render homenagem à encarnação que devia representar, no mais largo sentido, o Espírito de Verdade, essa luz benfazeja que transformou a Humanidade. Por esse menino, tudo foi realizado! É ele que eterniza a graça e a simplicidade, a caridade, a benevolência, o amor e a liberdade.
O Espiritismo, também ele uma estrela luminosa, deve, como aquela que há dezoito séculos rasgou o véu sombrio dos séculos de ferro, conduzir os terrícolas à conquista das verdades prometidas. Saberá ele desvencilhar-se das tempestades que nos prometem as evoluções humanas e as resistências desesperadas da Ciência em apuros? É o que vós todos, meus amigos, e nós, vossos irmãos da erraticidade, somos chamados a melhor assinalar, inundando este ano com as claridades adquiridas.
Trabalhar com este objetivo é ser adepto do Menino de Belém, é ser filho de Deus, de que emanam toda a luz e toda a clareza.
SONNEZ.
Caros espíritas, encontrastes em todas as camadas sociais esta força de raciocínio que é a marca inteligente dos seres realizados? Não tendes, pelo contrário, a certeza de que a grande maioria de vossos irmãos se atola numa ignorância malsã? Por toda parte as heresias e as más ações! As boas intenções, viciadas em seu princípio, caem uma a uma, semelhantes a esses belos frutos cujo âmago um verme rói e o vento joga por terra. A clareza nos argumentos, no saber, acaso teria escolhido domicílio nas academias, entre os filósofos, os jornalistas e os panfletários?... Parece-me que poderíamos duvidar, vendo-os, a exemplo de Diógenes, com a lanterna na mão, procurar uma verdade em pleno sol.
Luz, claridade, vós sois a essência de todo movimento inteligente! Em breve inundareis com os vossos raios benfazejos os mais obscuros recantos desta pobre Humanidade; sois vós que tirareis do lodaçal tantos terrícolas pasmados, embrutecidos, espíritos infelizes que devem ser lavados pela instrução, pela liberdade, sobretudo pela consciência de seu valor espiritual. A luz expulsará as lágrimas, as penas, os desesperos sombrios, a negação das coisas divinas, todas as más vontades! Cercando o materialismo, ela o forçará a não mais abrigar-se atrás dessa barreira fictícia, carcomida, de onde arremessa desajeitadamente suas setas sobre tudo quanto não é obra sua.
Mas as máscaras serão arrancadas e então saberemos se os prazeres, a fortuna e o sensualismo, são mesmo os emblemas da vida e da liberdade. A clareza é útil em tudo e a todos; no embrião, como no homem, é necessária a luz! Sem ela tudo caminha tateando, e tateando, a alma busca a alma.
Que se faça uma noite eterna! Logo as cores harmoniosas desaparecerão do vosso globo; as flores estiolar-se-ão; as grandes árvores serão destruídas; os insetos, a Natureza inteira não mais emitirão esses mil sons, a eterna canção de Deus! Os regatos banharão as regiões desoladas; o frio terá tudo mumificado; a vida terá desaparecido!...
O mesmo acontece com o Espírito. Se fizerdes noite em seu redor, ele ficará doente; o frio petrificará suas tendências divinas; como na Idade Média, o homem embotar-se-á, assemelhando sua alma às solidões selvagens e desoladas das regiões boreais!
É por isto, espíritas, que vos deveis a todas as clarezas. Mas antes de aconselhar e ensinar, começai logo por iluminar os menores refolhos de vossa alma. Quando suficientemente depurados para nada temer, podereis elevar a voz, o olhar, o gesto; fareis uma guerra implacável à sombra, à tristeza, à ausência de vida. Ensinareis as grandes leis espíritas aos irmãos que nada sabem do papel que Deus lhes confere.
1866, possas tu, para os anos seguintes, ser a estrela luminosa que conduzia os reis magos para o berço de uma humilde criança do povo. Eles vinham render homenagem à encarnação que devia representar, no mais largo sentido, o Espírito de Verdade, essa luz benfazeja que transformou a Humanidade. Por esse menino, tudo foi realizado! É ele que eterniza a graça e a simplicidade, a caridade, a benevolência, o amor e a liberdade.
O Espiritismo, também ele uma estrela luminosa, deve, como aquela que há dezoito séculos rasgou o véu sombrio dos séculos de ferro, conduzir os terrícolas à conquista das verdades prometidas. Saberá ele desvencilhar-se das tempestades que nos prometem as evoluções humanas e as resistências desesperadas da Ciência em apuros? É o que vós todos, meus amigos, e nós, vossos irmãos da erraticidade, somos chamados a melhor assinalar, inundando este ano com as claridades adquiridas.
Trabalhar com este objetivo é ser adepto do Menino de Belém, é ser filho de Deus, de que emanam toda a luz e toda a clareza.
SONNEZ.
Comunicação providencial dos Espíritos
(Grupo Delanne - Paris, 8 de janeiro de 1866 - Médium: Sra. Br...)
Os tempos são chegados em que esta palavra do profeta deve ser realizada: “Espalharei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos profetizarão e vossos velhos terão sonhos”, diz o Senhor. O Espiritismo é essa difusão do espírito divino, que vem instruir e moralizar todos esses pobres deserdados da vida espiritual que, só vendo a matéria, esqueciam que o homem não vive só de pão.
Ao corpo é necessário um organismo material a serviço da alma, um alimento apropriado à sua natureza; mas à alma, emanação do Espírito Criador, é preciso um alimento espiritual que ela não encontra senão na contemplação das belezas celestes, resultando a harmonia das faculdades inteligentes em seu completo desdobramento.
Enquanto o homem não se empenha em cultivar o seu espírito e fica absorvido pela busca ou pela posse dos bens materiais, sua alma permanece de certo modo estacionária, e lhe é preciso um grande número de encarnações antes que ela possa, obedecendo insensivelmente e como que compulsoriamente à lei inevitável do progresso, chegar a esse começo de vitalidade intelectual que lhe confere a direção do ser material a que ela está unida. É por isto que, malgrado os ensinamentos dados pelo Cristo para fazer a Humanidade adiantar-se, ela está ainda tão atrasada, pois o egoísmo não quis apagar-se diante da lei de caridade, que deve mudar a face do mundo e dele fazer uma morada de paz e felicidade. Mas a bondade de Deus é infinita; ela ultrapassa a indiferença e a ingratidão de seus filhos, e é por isto que lhes envia esses mensageiros divinos, que lhes vêm lembrar que Deus não os criou para a Terra, onde eles estão apenas por algum tempo, a fim de que, pelo trabalho, desenvolvam as qualidades depositadas em germe em sua alma e que, cidadãos dos céus, não devem comprazer-se numa estação inferior à sua ignorância, onde só as suas faltas os retêm.
Agradecei, pois, ao Senhor, e saudai com alegria o advento do Espiritismo, pois ele é a realização das profecias, o sinal brilhante da bondade do Pai de misericórdia, e para vós um novo apelo a esse desprendimento da matéria, tão desejável, porquanto só ele vos pode proporcionar uma verdadeira felicidade.
LUÍS DE FRANÇA.
Ao corpo é necessário um organismo material a serviço da alma, um alimento apropriado à sua natureza; mas à alma, emanação do Espírito Criador, é preciso um alimento espiritual que ela não encontra senão na contemplação das belezas celestes, resultando a harmonia das faculdades inteligentes em seu completo desdobramento.
Enquanto o homem não se empenha em cultivar o seu espírito e fica absorvido pela busca ou pela posse dos bens materiais, sua alma permanece de certo modo estacionária, e lhe é preciso um grande número de encarnações antes que ela possa, obedecendo insensivelmente e como que compulsoriamente à lei inevitável do progresso, chegar a esse começo de vitalidade intelectual que lhe confere a direção do ser material a que ela está unida. É por isto que, malgrado os ensinamentos dados pelo Cristo para fazer a Humanidade adiantar-se, ela está ainda tão atrasada, pois o egoísmo não quis apagar-se diante da lei de caridade, que deve mudar a face do mundo e dele fazer uma morada de paz e felicidade. Mas a bondade de Deus é infinita; ela ultrapassa a indiferença e a ingratidão de seus filhos, e é por isto que lhes envia esses mensageiros divinos, que lhes vêm lembrar que Deus não os criou para a Terra, onde eles estão apenas por algum tempo, a fim de que, pelo trabalho, desenvolvam as qualidades depositadas em germe em sua alma e que, cidadãos dos céus, não devem comprazer-se numa estação inferior à sua ignorância, onde só as suas faltas os retêm.
Agradecei, pois, ao Senhor, e saudai com alegria o advento do Espiritismo, pois ele é a realização das profecias, o sinal brilhante da bondade do Pai de misericórdia, e para vós um novo apelo a esse desprendimento da matéria, tão desejável, porquanto só ele vos pode proporcionar uma verdadeira felicidade.
LUÍS DE FRANÇA.
Notícias bibliográficas
Mirette
Romance espírita pelo Sr. Élie Sauvage, membro da Sociedade dos Homens de Letras *
Para o Espiritismo, o ano de 1867 foi aberto pela publicação de uma obra que, de certo modo, inaugura a nova via aberta à literatura pela doutrina espírita. Mirette não é um desses livros em que a ideia espírita não passa de acessória, e como que jogada, para efeito, ao acaso da imaginação, sem que a crença a venha animar e aquecer. É esta mesma ideia que lhe forma o dado principal, menos ainda pela ação que pelas consequências gerais decorrentes.
Em Spirite, de Théophile Gautier, o fantástico supera de muito o real, e o possível, do ponto de vista da doutrina. E me. nos um romance espírita do que o romance do Espiritismo, e que este não pode aceitar como uma pintura fiel das manifestações; além disso, o dado filosófico e morai aí é mais ou menos nulo. Essa obra não deixou de ser muito útil à vulgarização da ideia, pela autoridade do nome do autor, que lhe soube dar o cunho de seu incontestável talento e por sua publicação no jornal oficial. Além do mais era a primeira obra desse gênero de uma real importância, na qual a ideia era tomada a sério.
A do Sr. Sauvage é concebida num plano bem diverso. É uma pintura da vida real, onde nada se afasta do possível e da qual o Espiritismo tudo pode aceitar. É uma história simples, ingênua, de um interesse contínuo e tanto mais atraente quanto tudo aí é natural e verossímil. Aí não se encontram situações romanescas, mas cenas enternecedoras, pensamentos elevados, caracteres traçados conforme a natureza. Vêem-se os mais nobres sentimentos, e os mais puros, em luta com o egoísmo e a baixa maldade, a fé lutando contra a incredulidade. O estilo é claro, conciso, sem prolixidade e acessórios inúteis, sem ornamentos supérfluos e sem pretensões ao efeito. Propôs-se o autor, antes de tudo, fazer um livro moral e colheu os seus elementos na filosofia espírita e suas consequências, muito mais que no fato das manifestações. file mostra a que elevação de pensamentos conduzem as crenças. Sobre este ponto resumimos nossa opinião dizendo que: este livro pode ser lido com proveito pela juventude de ambos os sexos, que nele encentrará belos modelos, bons exemplos e úteis instruções, sem prejuízo do proveito e da concordância que dele se pode tirar em qualquer idade. Acrescentaremos que para ter escrito este livro no sentido em que o fez, é preciso estar profundamente penetrado dos princípios da doutrina.
O autor coloca sua ação em 1831. Assim, não podia nominalmente falar do Espiritismo, nem das obras espíritas atuais. Então teve que remontar seu ponto de partida a Swedenborg. Mas aí tudo conforme os dados do Espiritismo moderno, que estudou com cuidado.
Eis, em duas palavras, o assunto da obra.
Forçado a deixar a França subitamente, durante a revolução, o Conde de Rouville, ao partir para o exílio, tinha confiado uma soma importante e seus títulos de família a um homem sobre cuja lealdade podia contar. Este homem, abusando de sua confiança, apropria-se da soma, com o que enriquece. Quando o emigrado volta, o depositário declara não o conhecer e nega o depósito. O Sr. de Rouvilie, baldo de todos os recursos por esta infelicidade, morre de desespero, deixando uma filhinha de três anos, chamada Mirette. A criança foi recolhida por um velho servidor da família, que a educa como sua filha. Esta tinha apenas dezesseis anos quando seu pai adotivo, muito pobre veio a morrer. Lucien, jovem estudante de direito, alma grande e nobre, que tinha assistido o velho em seus últimos momentos, torna-se o protetor de Mirette, deixada sem apoio e sem asilo; ele a faz admitir em casa de sua mãe, rica padeira de coração duro e egoísta. Ora, descobre-se que Lucien é filho do espoliador; este último, sabendo mais tarde que Mirette é a filha daquele a quem causou a ruína e a morte, cai doente e morre, roído de remorsos, nas convulsões de uma horrível agonia. Daí complicações, porque os jovens se amam, mas acabam se casando.
Os principais personagens são: Lucien e Mirette, duas almas de escol; a mãe de Lucien, tipo perfeito do egoísmo, da cupidez, da estreiteza de ideias, em luta com o amor materno; o pai de Lucien, exata personificação da consciência perturbada; uma entregadora de pão, baixamente baixa e ciumenta; um velho médico, excelente homem, mas incrédulo e trocista; um estudante de medicina, seu aluno, espiritualista, homem de coração. e hábil magnetizador; uma sonâmbula muito lúcida, e uma irmã de caridade de ideias largas e elevadas, tipo modelo.
A esta obra ouvimos fazer a seguinte crítica:
A ação começa sem preâmbulo, por um desses casos manifestações espontâneas, como se vêem tantas em nossos dias, e que consistem em batidas nas paredes. Esses ruídos produzem o encontro dos dois principais personagens da história, Lucien e Mirette, a qual se desenrola a seguir. Dizem que o autor deveria ter dado uma explicação do fenômeno, para o uso das pessoas estranhas ao Espiritismo, que se acham num ponto de .partida que não compreendem. Não compartilhamos desta opinião, porque outro tanto seria preciso dizer das cenas de visões extáticas e de sonambulismo. O autor não quis, e não podia, a propósito de um romance, fazer um tratado didático de Espiritismo. Todos os dias escritores apoiam suas concepções em fatos científicos, históricos ou outros, que não podem senão supô-los conhecidos dos leitores, sob pena de transformarem suas obras em. enciclopédias; aos que não os conhecem cabe buscá-los ou pedir uma explicação, O Sr. Sauvage, colocando o seu assunto em 1831, não podia desenvolver teorias que só foram conhecidas vinte anos mais tarde. Aliás, os Espíritos batedores, em nossos dias, têm bastante repercussão, graças mesmo à imprensa hostil, para que poucas pessoas deles não tenham ouvido falar. Esses fatos são mais vulgares hoje do que muitos outros citados diariamente. Ao contrário, o autor nos parece ter realçado o Espiritismo, tomando o fato como suficientemente conhecido para dispensar de ser explicado.
Também não partilhamos da opinião dos que lhe censuram o quadro um pouco familiar e vulgar, a pouca complicação dos efeitos da intriga, numa palavra, por não ter feito uma obra literária mais magistral, como é capaz de o fazer. Em nossa opinião, a obra é o que devia ser, para atingir o seu objetivo; não é um monumento que o autor quis elevar, mas uma simples e graciosa casinha, onde o coração pudesse repousar. Tal qual é, dirige-se a todo o mundo: grandes e pequenos, ricos e proletários, mas sobretudo a uma classe de leitores aos quais teria convindo menos, se tivesse revestido uma forma mais acadêmica. Pensamos que sua leitura pode ser muito proveitosa a classe laboriosa, e, a esse título, gostaríamos de lhe ver a popularidade de certos escritos cuja leitura é menos sã.
As duas passagens seguintes podem dar uma ideia do espírito no qual é concebida a obra. A primeira é uma cena entre Lucien e Mirette, no enterro do pai adotivo desta:
“Meu pobre pai, então não te verei mais!” disse Mirette soluçando.
“Mirette,” respondeu Lucien, com voz suave e grave, os que crêem em Deus e na imortalidade da alma humana não devem desolar-se como os infelizes que não têm esperança. Para os verdadeiros cristãos a morte não existe. Olhai em torno de nós: estamos sentados entre túmulos, no lugar terrível e fúnebre, que a ignorância e o medo chamam o campo dos mortos. Então! o sol de maio aqui resplandece como no seio dos campos mais risonhos. As árvores, os arbustos e as flores inundam o ar com seus mais doces perfumes; do pássaro ao inseto imperceptível, cada ser da criação lança sua nota nesta grande sinfonia, que canta a Deus o hino sublime da vida universal. Dizei, não está aí um brilhante protesto contra o nada, contra morte? A morte é uma transformação para a matéria; para os seres bons e inteligentes é uma transfiguração. Vosso pai cumpriu a tarefa que Deus lhe tinha confiado: Deus o chamou a si; que nosso amor egoísta não inveje a palma ao mártir, a coroa ao vencedor!.., Mas não creiais que ele vos esqueça. O amor é o laço misterioso que liga todos os mundos. O pai de família, forçado a realizar uma grande viagem, não pensa em seus filhos queridos? Não vela de longe por sua felicidade? Sim, Mirette, que este pensamento vos console; jamais somos órfãos na terra; para começar temos Deus, que nos permitiu chamá-lo nosso pai e depois os amigos que nos precederam na vida eterna. — Aquele que chorais lá está, eu o vejo... ele vos sorri com uma ternura inefável... vos fala... escutai...
“De repente o rosto de Lucien tomou uma expressão extática; o olhar fixo, o dedo levantado no ar, mostrava alguma coisa no espaço; o ouvido atento parecia escutar palavras misteriosas.
“Criança, diz ele, com uma voz que não era mais a sua, porque fixar o olhar velado de lágrimas neste canto da terra onde depositaram meus despojos mortais? Ergue os olhos para o céu; é lá que o Espírito, purificado pelo sofrimento, pelo amor e pela prece, se evola para o objeto de suas sublimes aspirações! Que importa à borboleta, que ao sol distende as suas asas radiosas, que lhe importam os restos de sua grosseira carcaça? A poeira volta à poeira, a centelha sobe para o seu divino foco. Mas o Espírito deve passar por terríveis provas antes de receber sua coroa. A terra na qual se agita o formigueiro humano é um lugar de expiação e de preparação para a vida bem-aventurada. Grandes lutas te esperam, pobre criança, mas tem confiança:
Deus e os bons Espíritos não te abandonarão. Fé, esperança, amor — seja esta a tua divisa. Adeus.”
A obra termina pelo seguinte relato de uma excursão extática dos dois jovens, então casados:
“Após uma viagem, cuja duração não puderam apreciar, os dois navegantes aéreos abordaram uma terra desconhecida e maravilhosa, onde tudo era luz, harmonia e perfume, onde a vegetação era tão bela que diferia tanto da nossa quanto a flora tropical difere da da Groenlândia e das terras austrais. Os seres que habitavam esse mundo perdido no meio dos mundos pareciam bastante com a ideia que aqui fazemos dos anjos. Seus corpos leves e transparentes nada tinha do nosso grosseiro invólucro terreno, seus rostos irradiavam inteligência e amor. Uns repousavam à sombra de árvores carregadas de frutos e flores, outros passeavam como essas sombras bem-aventuradas que nos mostra Virgílio na sua deslumbrante descrição dos Campos-Elíseos. Os dois personagens que Lucien já tinha visto várias vezes em suas visões precedentes, avançaram com os braços estendidos para os dois viajantes. O sorriso com que os abraçaram os encheu de uma alegria celeste. Aquele que tinha sido o pai adotivo de Mirette lhe disse com uma doçura inefável: “Meus caros filhos, vossas preces e vossas boas obras encontraram graça diante de Deus. Ele tocou a alma do culpado e a reenvia à vida terrestre, para expiar suas faltas e se purificar por novas provas, porque Deus não castiga eternamente e sua justiça é sempre temperada pela misericórdia.”
Eis agora, sobre esta obra, a opinião dos Espíritos, dada na Sociedade de Paris, na sessão em que foi feito o seu relato.
(SOCIEDADE DE PARIS, 4 DE JANEIRO DE 1867 — SR. DESLIENS)
Cada dia a crença destaca das ideias adversas um espírito irresoluto; cada dia novos adeptos obscuros ou ilustres vêm abrigar-se sob sua bandeira; os fatos se multiplicam e a multidão reflete. Depois os trêmulos tomam coragem com duas mãos e, então, gritam: “Avante !“ com toda a força dos pulmões. Os homens sérios trabalham a ciência moral ou material, os romances e as novelas deixam penetrar os princípios novos em páginas eloquentes. Quantos Espíritas sem o saber entre os espiritualistas modernos! Quantas publicações às quais não falta senão uma palavra para serem apontadas à atenção pública como emanando de unia fonte espírita!
O ano de 1866 apresenta a filosofia nova sob todas as suas formas; mas é ainda a haste verde que encerra a espiga de trigo e para subir espera que o calor da primavera a tenha amadurecido e feito entreabrir. 1866 preparou, 1867 amadurecerá e realizará. O ano se abre sob os auspícios de Mirette e escoar-se-á sem ver aparecerem novas publicações do mesmo gênero e mais sérias ainda, no sentido que o romance tornar-se-á filosofia e a filosofia far-se-á história.
Far-se-á do Espiritismo uma crença ignorada e aceita apenas por alguns cérebros supostamente doentes; será uma filosofia admitida ao banquete da inteligência, uma ideia nova, tendo posição ao lado das ideias progressivas, que marcam a segunda metade do século dezenove. Assim, felicitamos vivamente aquele que soube, como primeiro, pôr de lado todo falso respeito humano, para arvorar franca e claramente sua crença íntima.
Dr. Morel Lavallée.
Para o Espiritismo, o ano de 1867 foi aberto pela publicação de uma obra que, de certo modo, inaugura a nova via aberta à literatura pela doutrina espírita. Mirette não é um desses livros em que a ideia espírita não passa de acessória, e como que jogada, para efeito, ao acaso da imaginação, sem que a crença a venha animar e aquecer. É esta mesma ideia que lhe forma o dado principal, menos ainda pela ação que pelas consequências gerais decorrentes.
Em Spirite, de Théophile Gautier, o fantástico supera de muito o real, e o possível, do ponto de vista da doutrina. E me. nos um romance espírita do que o romance do Espiritismo, e que este não pode aceitar como uma pintura fiel das manifestações; além disso, o dado filosófico e morai aí é mais ou menos nulo. Essa obra não deixou de ser muito útil à vulgarização da ideia, pela autoridade do nome do autor, que lhe soube dar o cunho de seu incontestável talento e por sua publicação no jornal oficial. Além do mais era a primeira obra desse gênero de uma real importância, na qual a ideia era tomada a sério.
A do Sr. Sauvage é concebida num plano bem diverso. É uma pintura da vida real, onde nada se afasta do possível e da qual o Espiritismo tudo pode aceitar. É uma história simples, ingênua, de um interesse contínuo e tanto mais atraente quanto tudo aí é natural e verossímil. Aí não se encontram situações romanescas, mas cenas enternecedoras, pensamentos elevados, caracteres traçados conforme a natureza. Vêem-se os mais nobres sentimentos, e os mais puros, em luta com o egoísmo e a baixa maldade, a fé lutando contra a incredulidade. O estilo é claro, conciso, sem prolixidade e acessórios inúteis, sem ornamentos supérfluos e sem pretensões ao efeito. Propôs-se o autor, antes de tudo, fazer um livro moral e colheu os seus elementos na filosofia espírita e suas consequências, muito mais que no fato das manifestações. file mostra a que elevação de pensamentos conduzem as crenças. Sobre este ponto resumimos nossa opinião dizendo que: este livro pode ser lido com proveito pela juventude de ambos os sexos, que nele encentrará belos modelos, bons exemplos e úteis instruções, sem prejuízo do proveito e da concordância que dele se pode tirar em qualquer idade. Acrescentaremos que para ter escrito este livro no sentido em que o fez, é preciso estar profundamente penetrado dos princípios da doutrina.
O autor coloca sua ação em 1831. Assim, não podia nominalmente falar do Espiritismo, nem das obras espíritas atuais. Então teve que remontar seu ponto de partida a Swedenborg. Mas aí tudo conforme os dados do Espiritismo moderno, que estudou com cuidado.
Eis, em duas palavras, o assunto da obra.
Forçado a deixar a França subitamente, durante a revolução, o Conde de Rouville, ao partir para o exílio, tinha confiado uma soma importante e seus títulos de família a um homem sobre cuja lealdade podia contar. Este homem, abusando de sua confiança, apropria-se da soma, com o que enriquece. Quando o emigrado volta, o depositário declara não o conhecer e nega o depósito. O Sr. de Rouvilie, baldo de todos os recursos por esta infelicidade, morre de desespero, deixando uma filhinha de três anos, chamada Mirette. A criança foi recolhida por um velho servidor da família, que a educa como sua filha. Esta tinha apenas dezesseis anos quando seu pai adotivo, muito pobre veio a morrer. Lucien, jovem estudante de direito, alma grande e nobre, que tinha assistido o velho em seus últimos momentos, torna-se o protetor de Mirette, deixada sem apoio e sem asilo; ele a faz admitir em casa de sua mãe, rica padeira de coração duro e egoísta. Ora, descobre-se que Lucien é filho do espoliador; este último, sabendo mais tarde que Mirette é a filha daquele a quem causou a ruína e a morte, cai doente e morre, roído de remorsos, nas convulsões de uma horrível agonia. Daí complicações, porque os jovens se amam, mas acabam se casando.
Os principais personagens são: Lucien e Mirette, duas almas de escol; a mãe de Lucien, tipo perfeito do egoísmo, da cupidez, da estreiteza de ideias, em luta com o amor materno; o pai de Lucien, exata personificação da consciência perturbada; uma entregadora de pão, baixamente baixa e ciumenta; um velho médico, excelente homem, mas incrédulo e trocista; um estudante de medicina, seu aluno, espiritualista, homem de coração. e hábil magnetizador; uma sonâmbula muito lúcida, e uma irmã de caridade de ideias largas e elevadas, tipo modelo.
A esta obra ouvimos fazer a seguinte crítica:
A ação começa sem preâmbulo, por um desses casos manifestações espontâneas, como se vêem tantas em nossos dias, e que consistem em batidas nas paredes. Esses ruídos produzem o encontro dos dois principais personagens da história, Lucien e Mirette, a qual se desenrola a seguir. Dizem que o autor deveria ter dado uma explicação do fenômeno, para o uso das pessoas estranhas ao Espiritismo, que se acham num ponto de .partida que não compreendem. Não compartilhamos desta opinião, porque outro tanto seria preciso dizer das cenas de visões extáticas e de sonambulismo. O autor não quis, e não podia, a propósito de um romance, fazer um tratado didático de Espiritismo. Todos os dias escritores apoiam suas concepções em fatos científicos, históricos ou outros, que não podem senão supô-los conhecidos dos leitores, sob pena de transformarem suas obras em. enciclopédias; aos que não os conhecem cabe buscá-los ou pedir uma explicação, O Sr. Sauvage, colocando o seu assunto em 1831, não podia desenvolver teorias que só foram conhecidas vinte anos mais tarde. Aliás, os Espíritos batedores, em nossos dias, têm bastante repercussão, graças mesmo à imprensa hostil, para que poucas pessoas deles não tenham ouvido falar. Esses fatos são mais vulgares hoje do que muitos outros citados diariamente. Ao contrário, o autor nos parece ter realçado o Espiritismo, tomando o fato como suficientemente conhecido para dispensar de ser explicado.
Também não partilhamos da opinião dos que lhe censuram o quadro um pouco familiar e vulgar, a pouca complicação dos efeitos da intriga, numa palavra, por não ter feito uma obra literária mais magistral, como é capaz de o fazer. Em nossa opinião, a obra é o que devia ser, para atingir o seu objetivo; não é um monumento que o autor quis elevar, mas uma simples e graciosa casinha, onde o coração pudesse repousar. Tal qual é, dirige-se a todo o mundo: grandes e pequenos, ricos e proletários, mas sobretudo a uma classe de leitores aos quais teria convindo menos, se tivesse revestido uma forma mais acadêmica. Pensamos que sua leitura pode ser muito proveitosa a classe laboriosa, e, a esse título, gostaríamos de lhe ver a popularidade de certos escritos cuja leitura é menos sã.
As duas passagens seguintes podem dar uma ideia do espírito no qual é concebida a obra. A primeira é uma cena entre Lucien e Mirette, no enterro do pai adotivo desta:
“Meu pobre pai, então não te verei mais!” disse Mirette soluçando.
“Mirette,” respondeu Lucien, com voz suave e grave, os que crêem em Deus e na imortalidade da alma humana não devem desolar-se como os infelizes que não têm esperança. Para os verdadeiros cristãos a morte não existe. Olhai em torno de nós: estamos sentados entre túmulos, no lugar terrível e fúnebre, que a ignorância e o medo chamam o campo dos mortos. Então! o sol de maio aqui resplandece como no seio dos campos mais risonhos. As árvores, os arbustos e as flores inundam o ar com seus mais doces perfumes; do pássaro ao inseto imperceptível, cada ser da criação lança sua nota nesta grande sinfonia, que canta a Deus o hino sublime da vida universal. Dizei, não está aí um brilhante protesto contra o nada, contra morte? A morte é uma transformação para a matéria; para os seres bons e inteligentes é uma transfiguração. Vosso pai cumpriu a tarefa que Deus lhe tinha confiado: Deus o chamou a si; que nosso amor egoísta não inveje a palma ao mártir, a coroa ao vencedor!.., Mas não creiais que ele vos esqueça. O amor é o laço misterioso que liga todos os mundos. O pai de família, forçado a realizar uma grande viagem, não pensa em seus filhos queridos? Não vela de longe por sua felicidade? Sim, Mirette, que este pensamento vos console; jamais somos órfãos na terra; para começar temos Deus, que nos permitiu chamá-lo nosso pai e depois os amigos que nos precederam na vida eterna. — Aquele que chorais lá está, eu o vejo... ele vos sorri com uma ternura inefável... vos fala... escutai...
“De repente o rosto de Lucien tomou uma expressão extática; o olhar fixo, o dedo levantado no ar, mostrava alguma coisa no espaço; o ouvido atento parecia escutar palavras misteriosas.
“Criança, diz ele, com uma voz que não era mais a sua, porque fixar o olhar velado de lágrimas neste canto da terra onde depositaram meus despojos mortais? Ergue os olhos para o céu; é lá que o Espírito, purificado pelo sofrimento, pelo amor e pela prece, se evola para o objeto de suas sublimes aspirações! Que importa à borboleta, que ao sol distende as suas asas radiosas, que lhe importam os restos de sua grosseira carcaça? A poeira volta à poeira, a centelha sobe para o seu divino foco. Mas o Espírito deve passar por terríveis provas antes de receber sua coroa. A terra na qual se agita o formigueiro humano é um lugar de expiação e de preparação para a vida bem-aventurada. Grandes lutas te esperam, pobre criança, mas tem confiança:
Deus e os bons Espíritos não te abandonarão. Fé, esperança, amor — seja esta a tua divisa. Adeus.”
A obra termina pelo seguinte relato de uma excursão extática dos dois jovens, então casados:
“Após uma viagem, cuja duração não puderam apreciar, os dois navegantes aéreos abordaram uma terra desconhecida e maravilhosa, onde tudo era luz, harmonia e perfume, onde a vegetação era tão bela que diferia tanto da nossa quanto a flora tropical difere da da Groenlândia e das terras austrais. Os seres que habitavam esse mundo perdido no meio dos mundos pareciam bastante com a ideia que aqui fazemos dos anjos. Seus corpos leves e transparentes nada tinha do nosso grosseiro invólucro terreno, seus rostos irradiavam inteligência e amor. Uns repousavam à sombra de árvores carregadas de frutos e flores, outros passeavam como essas sombras bem-aventuradas que nos mostra Virgílio na sua deslumbrante descrição dos Campos-Elíseos. Os dois personagens que Lucien já tinha visto várias vezes em suas visões precedentes, avançaram com os braços estendidos para os dois viajantes. O sorriso com que os abraçaram os encheu de uma alegria celeste. Aquele que tinha sido o pai adotivo de Mirette lhe disse com uma doçura inefável: “Meus caros filhos, vossas preces e vossas boas obras encontraram graça diante de Deus. Ele tocou a alma do culpado e a reenvia à vida terrestre, para expiar suas faltas e se purificar por novas provas, porque Deus não castiga eternamente e sua justiça é sempre temperada pela misericórdia.”
Eis agora, sobre esta obra, a opinião dos Espíritos, dada na Sociedade de Paris, na sessão em que foi feito o seu relato.
(SOCIEDADE DE PARIS, 4 DE JANEIRO DE 1867 — SR. DESLIENS)
Cada dia a crença destaca das ideias adversas um espírito irresoluto; cada dia novos adeptos obscuros ou ilustres vêm abrigar-se sob sua bandeira; os fatos se multiplicam e a multidão reflete. Depois os trêmulos tomam coragem com duas mãos e, então, gritam: “Avante !“ com toda a força dos pulmões. Os homens sérios trabalham a ciência moral ou material, os romances e as novelas deixam penetrar os princípios novos em páginas eloquentes. Quantos Espíritas sem o saber entre os espiritualistas modernos! Quantas publicações às quais não falta senão uma palavra para serem apontadas à atenção pública como emanando de unia fonte espírita!
O ano de 1866 apresenta a filosofia nova sob todas as suas formas; mas é ainda a haste verde que encerra a espiga de trigo e para subir espera que o calor da primavera a tenha amadurecido e feito entreabrir. 1866 preparou, 1867 amadurecerá e realizará. O ano se abre sob os auspícios de Mirette e escoar-se-á sem ver aparecerem novas publicações do mesmo gênero e mais sérias ainda, no sentido que o romance tornar-se-á filosofia e a filosofia far-se-á história.
Far-se-á do Espiritismo uma crença ignorada e aceita apenas por alguns cérebros supostamente doentes; será uma filosofia admitida ao banquete da inteligência, uma ideia nova, tendo posição ao lado das ideias progressivas, que marcam a segunda metade do século dezenove. Assim, felicitamos vivamente aquele que soube, como primeiro, pôr de lado todo falso respeito humano, para arvorar franca e claramente sua crença íntima.
Dr. Morel Lavallée.
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* 1 vol. In-12. Livraria dos Autores, 10, rue de la Bourse. Preço: 3 fr. Pelo correio (França e Argélia): 3 fr. 30 c.
Echos poetiques D'Outre-Tombe
Coletânea de poesias mediúnicas obtidas pelo Sr. Vavasseur; precedida de um Estudo sobre a poesia mediúnica, pelo Sr. Allan Kardec, l vol. in-12, preço: 1 franco. Pelo correio, para a França e Argélia, l,20 francos. ─ Paris, livraria central, Boulevard des Italiens, 24; no escritório da Revista Espírita e com o autor, na Rua de La Mairie, 3, em Paris-Montmartre.
Esta obra, da qual falamos em nosso número anterior, e cuja impressão esteve em atraso, está à venda.
Esta obra, da qual falamos em nosso número anterior, e cuja impressão esteve em atraso, está à venda.
Nova teoria médico-espírita
(Pelo Doutor Brizio, de Turim)
Não conhecemos esta obra senão pelo prospecto em italiano, que nos foi enviado, mas só nos podemos alegrar por ver o interesse das nações estrangeiras em seguir o Movimento Espírita e felicitar os homens de talento que entram na via das aplicações do Espiritismo à Ciência. A obra do doutor Brizio será publicada em 20 ou 30 fascículos a 20 centavos cada, e a impressão será iniciada quando houver 300 assinantes. Assinaturas em Turim, na livraria Degiorgis, via Nova.
O Livro dos Médiuns
Tradução em espanhol da 9ª edição francesa No escritório da Revista Espírita em Madrid, Barcelona, Marselha e Paris.
ALLAN KARDEC.